O Rock n Roll é ancestral e negro
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O rock está vivo, mas diferente de outras décadas, ele volta um pouco mais diverso, finalmente, se reconectando com suas raízes e com a comunidade negra, responsável pela sua criação. Hoje, jovens que, durante a era emo, se sentiam pressionados a alisar seus cabelos para aderir à estética da famosa franja característica do estilo, abraçam seus black powers, tranças e dreads com orgulho, celebrando suas identidades sem medo de serem quem realmente são.
O formato tocado e criado por artistas pretos recebem um toque mais diversificado, as referências criativas não envolvem somente artistas do rock nacional, mas suas histórias pessoais vividas em seus lares, com outros gêneros da música afro-brasileira e internacional. O samba, funk, rap, R&B, Jazz e Soul marcam presença nos acordes que vão desde o baixo até a sincronia da bateria, que foi apreendida em rodas de samba e migrou para os graves que ritmam um bate cabeça no show de hardcore.
As últimas eras do rock, foram marcadas pela ascensão de pessoas brancas fazendo sucesso com os gêneros Numetal e Emo. O Nu Metal, que surge em meados dos anos 1990 e 2000, bebeu da estética e da sonoridade do hip-hop, modelo criado e popularizado por artistas afro-americanos. Bandas como Limp Bizkit e Korn adotaram elementos da cultura negra, como versos de rap agressivos, baixos graves e roupas inspiradas no streetwear dos jogadores de basquete. Ainda assim, a presença de representantes negros nesse movimento foi quase inexistente.
Apesar das barreiras impostas pela indústria musical, que boicotavam o avanço de artistas do hip-hop, nomes como Jay-Z desafiaram o sistema e alcançaram o patamar de grande sucesso. Uma das colaborações mais icônicas que marcaram a quebra de barreiras desse período foi entre o rapper e a banda de numetal Linkin Park, que resultou na faixa "Numb/Encore". A música representou um marco ao unir o hip-hop e o rock explicitamente, rompendo a ideia de que os dois gêneros eram incompatíveis.
Na fase de maior sucesso do pop, artistas como Britney Spears, Destiny’s Child, Backstreet Boys e N’Sync dominavam as paradas. Bandas de Numetal emergiram como uma alternativa rebelde, conquistando os jovens com uma estética desleixada e uma atitude anti-pop. Eles representavam a contracultura, desafiando o glamour, luxo e fama associados ao pop da época. Apesar de sua proposta parecer inovadora, essa postura subversiva e influências das ruas foram, em grande parte, inspiradas por movimentos já consolidados por cantores negros do hip-hop.
Ao contrário dos artistas do novo estilo de rock, que emergiram na indústria com apoio de grandes gravadoras desde o início, os rappers americanos vinham de uma realidade marginalizada, dos guetos, becos e vielas das regiões mais desfavorecidas dos Estados Unidos. Nomes como Jay-Z, com um passado marcado pelo crime, e lendas como Tupac e Notorious B.I.G., utilizavam suas vivências reais para criar músicas que narravam as lutas diárias pela sobrevivência. Suas letras retratavam a rebeldia e a dura realidade das ruas, enquanto a produção musical muitas vezes era feita caseiramente, com a técnica do sampling destacando o conceito pela inovação e criatividade. A abordagem não era apenas uma escolha artística, mas uma necessidade, já que a falta de recursos impedia produções mais elaboradas.
No Brasil, no mesmo período, o cenário do rap também estava em efervescência. O grupo Racionais MC’s, um marco na música brasileira, seguia os mesmos passos, como uma voz das periferias, criando letras que expunham as realidades das comunidades marginalizadas. Assim como os rappers americanos influenciaram o Numetal, os Racionais se tornaram uma referência para artistas do rock nacional e de outros estilos de música. Seus álbuns, produzidos de maneira independente apoiados em samples de artistas como Tupac, mostraram que a música de protesto e resistência podia nascer fora dos grandes centros de produção.
Os Racionais MC’s personificaram o artista independente, que canta, produz e se apresenta sem o suporte de gravadoras, tornando-se uma inspiração não apenas para músicos brasileiros, mas para todo um movimento que buscava romper com as amarras da indústria cultural.
O rock é ancestral, ele é negro, e eu começo a contar essa historia do principio, em seu nascimento na decada de 40.
Em 1940 nasce o novo gênero musical, Sister Rosetta Tharpe, a primeira mulher a tocar uma guitarra, cria o rock. Rosetta Tharpe, nascida em 1915, foi uma mulher negra revolucionária que reuniu o gospel, jazz e blues com sua habilidade na guitarra elétrica, dando origem a uma inesperada sonoridade.
A nova criação desde seu surgimento passou por algumas mudanças, com inspirações provindas do country e rhythm and blues (R&B), no final dos anos 1940 para 1950 seu perfil já se assemelhava com o que conhecemos atualmente. Caracterizado por ritmos acelerados, letras simples e o uso de guitarra elétrica, bateria e baixo, sua notoriedade internacional se firma na década de 1950.
Nos anos 1960, o rock passa por uma nova fase, a evolução significativa, marcada pela “invasão britânica” liderada por bandas como The Beatles e The Rolling Stones, fazendo o sucesso do gênero alcançar patamares incomparáveis. Apesar disso, o reconhecimento da contribuição de artistas negros para o surgimento do rock foi frequentemente suprimido, refletindo a forte luta racial da época. Nomes como Chuck Berry, considerado o verdadeiro "pai do rock", e pioneiros como Winony Harris e sua música "Good Rockin' Tonight" (1948), foram ofuscados pelo sucesso de Elvis Presley. Este, que ascende com o apoio do produtor Sam Phillips, rapidamente conquista carreira meteórica, recebe o título de “rei do rock” e se torna o representante oficial da sonoridade. A quem aponte um contexto de apropriação cultural, uma vez que muitos de seus sucessos eram regravações de músicas originalmente compostas ou interpretadas por artistas negros, como Little Richard, Big Mama Thornton e Otis Blackwell.
A canção "Hound Dog", gravada por Elvis em 1956, já havia sido lançada em 1953 por Big Mama Thornton como um hino feminino de empoderamento, mas a versão de Elvis foi esvaziada de seu contexto original. Similarmente, hits como "Tutti Frutti", de Little Richard, só alcançaram grande reconhecimento após serem interpretados por artistas brancos, como Pat Boone. Essa dinâmica não era exclusiva ao rock: outros gêneros, como o reggae, também sofreram apagamento da autoria negra, como no caso de "I Shot the Sheriff", de Bob Marley, que ganhou fama global após a versão de Eric Clapton.
Além disso, grupos como Led Zeppelin enfrentaram acusações de plágio por se apropriarem de obras de artistas negros de blues, como Willie Dixon e Howlin' Wolf, muitas vezes sem crédito ou compensação. Enquanto figuras brancas no cenário musical ganhavam fama e riqueza, muitos dos criadores originais, como Big Mama Thornton, terminaram suas vidas na pobreza.
Com o passar das décadas, o rock foi se distanciando de suas raízes na comunidade negra, consolidando-se como um gênero predominantemente branco e masculino. Embora tenha se ramificado em subgêneros como rock psicodélico, progressivo, punk, grunge, heavy metal e indie, a presença de artistas negros e mulheres no rock permaneceu marginalizada.
Sister Rosetta Tharpe, Labelle, Bessie Smith The Shirelles e Betty Davis - As mulheres que revolucionaram o rock e foram esquecidas com o tempo
Engana-se quem pensa que não houve mulheres negras responsáveis pela ascensão e popularização do rock pelo mundo. É comum não identificar muitas referências e até mesmo o histórico de vida e obra dessas artistas negras no período entre as décadas de 70 e 80. Afinal, nesta altura artistas masculinos já dominavam o gênero e eram associados como os reais porta-vozes do estilo. Os anos se passaram e muitas coisas não mudaram, poucas mulheres conseguiram acender no rock, alguns nomes como Pitty no brasil e Rita lee, Janis Joplin, Tina Turner, Stevie Nicks, Debbie Harry, Hayley Williams e Amy Lee, foram algumas que conseguiram furar a bolha e fazer sucesso. Aparentemente, o gênero ficou cada vez mais distante das mulheres negras. Como uma grande ironia, a comunidade que deu vida ao modelo foi totalmente excluída e afastada de sua criação.
Com o tempo, até as cantoras que haviam feito sucesso em suas épocas foram esquecidas, e enquanto suas músicas eram gravadas fazendo sucesso nas vozes de artistas brancos, elas passavam suas vidas no escuro do esquecimento, sem nenhum reconhecimento e voz.
O espaço para mulheres no rock ainda é escasso, e quando o assunto é a representatividade negra feminina, o recorte se assemelha quase a algo inexistente. Jully Custódio, desde 2006 ultrapassa estas barreiras. Fã do gênero, ela viu a oportunidade de ser a voz desse grupo criando um blog voltado para matérias sobre eventos de rock, novas bandas e agendas de show, atualmente seu trabalho tem se destacado nas redes sociais, Além disto, Jully vem investindo em outros estilos musicais e culturais e sua atuação passou a se estender para a divulgação de batalhas de rimas e textos que trazem prestígio para os artistas emergentes do Rap.
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Em entrevista, a editora e criadora do New Face Rock, conta sobre como tem sido esse processo de diversificação no rock brasileiro.
P: Você acha que a cena mudou muito desde 2006 até aqui, falo em termos de sonoridade, diversidade e até mesmo de preconceito?
R: Em partes! Ainda não vemos tantas bandas femininas, ainda não vemos muitas bandas falando sobre politica em uma época politica e ainda é um local dominado por homens, brancos e CIS. Ou seja.... mudou nada.
P: Como você imagina que a cena será daqui 10 anos? E, como imagina que será o protagonismo negro na cena daqui 10 anos?
R: Bom, se a cena continuar indo para o mesmo lado que está, novamente ela vai esfriar como esfriou lá em 2010 (se não me engano). O surgimento de novas bandas trouxe uma gama de novos fãs que são bem limitados no que quesito referências. E também não são tão abertos a explorar novos shows, novas bandas. Então creio que daqui 10 anos ou a cena se rompe novamente para um novo começo, ou a que está hoje, tem que ser abastecida para não morrer.
P: Você entende que seu trabalho também é uma ponte de resistência?
R: Jamais! Apesar do rock ser originalmente nosso, nós não temos voz no rock. Somos poucos, muitas vezes silenciosos. Fazendo e criando o básico. Eu falo que o meu não seja, porque eu
atuo sozinha. Na minha equipe eu sou a única mulher preta, no meio dos jornalistas musicais que eu conheço, existem homens pretos, mas poucas mulheres pretas. Cada um vivendo do seu jeito, em nichos diferentes. Então não, não somos resistência. Somos sobrevivência.
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O rock brasileiro e suas referências modernas
Release pessoal
Após um extenso panorama sobre a evolução do gênero ao longo do tempo, chegamos ao contexto atual, em que a sociedade tem se tornado mais consciente das questões raciais. Reivindicações político-sociais relacionadas à raça e à cultura têm ganhado espaço. Artistas emergentes têm desenvolvido uma compreensão mais profunda sobre como o gênero se descaracterizou ao longo dos anos e os espaços foram historicamente negados aos seus antepassados. Para destacar as influências e a forma poderosa como esses novos artistas estão transformando o cenário musical, foi essencial explorar, neste texto, a importância do resgate ancestral como base para os próximos capítulos que conectam a comunidade negra ao rock – dois mundos que passaram décadas separados.
O rock, ao longo do tempo, assumiu uma postura ainda mais excludente, não apenas em relação à comunidade negra, mas também a outros gêneros musicais. Misturar o rock com outros elementos passou a ser visto como uma afronta em alguns subgêneros. Contudo, compreender a história do rock é reconhecer que ele nasceu da fusão de diferentes estilos. Assim como o rock evoluiu, tornando-se sua própria referência para inovação, gêneros como R&B, jazz e soul também ganharam novas roupagens, incorporando tecnologias modernas.
Analisar o cenário internacional é essencial para entender como esses artistas criam suas obras no Brasil. Mesmo com fortes referências em sonoridades brasileiras, muitos foram influenciados pela black music internacional, hip-hop e outros gêneros que marcaram sua formação durante a juventude.
Hoje, artistas negros que se dedicam ao rock já tiveram trajetórias significativas em outros estilos musicais. Um exemplo é Diego Souza, baixista da banda Emphuria, e Chaene, do Black Pantera. Diego, que já integrou um grupo de pagode, relata como essas experiências
moldaram sua visão musical atual. Criado em um lar negro, ele carrega influências que permeiam sua forma de pensar e criar música hoje, mostrando como o passado e a ancestralidade se refletem em suas composições.
P: Crescer em um lar negro com referências da musicalidade afro altera sua forma de fazer musica?
Cresci em um lar negro, com uma diversidade musical muito grande, que a minha família sempre teve, uma gama enorme de gêneros, estilos, épocas diferentes, e tudo isso com base na música africana, com base na música preta, isso com certeza me faz ver a música e fazer a música de forma diferente, e isso é muito legal, porque eu sempre consigo encontrar a referência que eu estou procurando para o meu som, devido a essa diversidade enorme que sempre foi a musicalidade em casa, desde o samba mais antigo, com violão sete cordas, a uma era disco, onde tinha uma bateria mais eletrônica, um soul com uma pegada mais densa, então tudo isso aí me faz ver a música de forma diferente. Com certeza vai influenciar na forma de eu compor ela também né, então eu consigo transitar entre o rock mais voltado por blues ao rock mais pesado né que é mais atual que a gente vem fazendo assim dentro da Emphuria.
P: Você acredita que existe preconceito com a comunidade negra nos ambientes de rock?
R: Não só você ser representativo para pessoas estarem naquele ambiente, consumir mais o rock, mas enquanto artista também, você descer do palco, encontrar outros pretos e pretas que estão ali curtindo, que curtiram o seu som e falar, caramba, olha, a gente tá no nosso espaço, a gente tá onde a gente devia estar, e eu não sou o único, tanto a pessoa que tá assistindo quanto o artista que tá tocando, eu acho que por artista que tá tocando, também não ser o único no ambiente, não ser o estranho no ninho, é muito representativo.
P: Suas referências baseadas no samba, reggae, samba rock, axé e outros elementos sonoros da cultura negra te influenciam no momento da elaboração dos acordes que você cria para as músicas?
R: Eu acho que o músico hoje, independente da vertente, cultura e da sua história dentro da música, o músico que ele não consome outros gêneros, outras artes, ele fica meio quadrado demais. E todos esses gêneros que a gente tem dentro da nossa cultura preta, o samba, o reggae, o samba rock, o axé, até o próprio hip hop, black music, são gêneros que estão ligados. Tanto que quando a gente começa a fazer as misturas de gêneros, então você chama artistas do axé para cantar rock, ou artistas do samba cantando rock, ou um artista do rock. Fazendo uma apresentação em MPB, fazendo uma apresentação no Axé, você vê que dá liga porque todos estão meio que sintonizados, eles vêm de uma mesma raiz, de uma mesma matriz, então na forma de elaborar, quando eu vou elaborar uma música, elaborar um acorde, às vezes eu quero uma sonoridade que não está dentro do rock heavy metal, que é o mais conhecido no mundo no geral, ele está mais voltado para um soul, ele está voltado mais para uma era mortal, então, nossa, esse som aqui está pesado para caramba, mas eu queria um
slap, mas não é um slap seco, eu quero um slap grovado, então como baixista a gente acaba consumindo bastante isso, e com certeza ajuda muito.
P: Você acredita que existe preconceito com a comunidade negra nos ambientes de rock?
R: Se eu acredito que exista preconceito, eu tenho certeza que tem preconceito ainda. E preconceito de todos os lados. Tem o preconceito dos grancos que não conhecem a própria história do gênero que eles curtem, não conhecem a origem da onde veio o rock, não consomem isso, e devido a essa ignorância, acaba tendo preconceito quando vê um preto no rock, quando vê um preto fazendo rock, e tem o preconceito da própria comunidade preta também, da comunidade negra, que por ter perdido essa conexão com o rock lá atrás, pela mídia ter feito do rock um gênero de cultura branca atualmente, então muitos negros, amigos, inclusive, falam, caramba, você vai tocar rock. Ah, eu gostava mais quando você tocava samba, eu gostava mais quando você dançava axé, porque rock não tem nada a ver com o negrão e tudo mais, então tem preconceito de ambos os lados. A partir do momento que a pessoa começa a consumir, entender a cultura, entender a origem, começa a ouvir o som de verdade, ela começa a quebrar esse preconceito, mas até aí é bem difícil mesmo. E os próprios brancos mesmo quando começam a estudar um pouquinho mais sobre o som que eles estão ouvindo, eles começam a quebrar e também pensar, nossa, realmente estava faltando, aquele solo quente que eu gostava era de uma origem preta, então o preconceito vai se quebrando conforme vai se educando. É que educar num geral sempre é muito difícil.
A nova fase do rock brasileiro
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O Black Pantera nasceu com a missão de escrever um novo capítulo no rock nacional. Fundada em 2014, a banda se consolidou em 2022 com o lançamento de Ascensão, um álbum poderoso que expõe o racismo estrutural e amplifica a luta antirracista enfrentada pela comunidade negra todos os dias. O impacto do álbum abriu portas para a banda – formada pelos irmãos Charles Gama (vocal e guitarra), Chaene Gama (baixo e vocal) e Rodrigo Pancho (bateria) – e levou os três artistas negros, que cantam punk rock, a participarem de grandes festivais como Rock in Rio, Primavera Sound e Lollapalooza. Com canções emblemáticas como "Padrão é o Caralho" e "Fogo nos Racistas", eles se tornaram uma referência pioneira para jovens negros que começaram a consumir rock.
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Em entrevista, Chaene Gama revela que foi graças à banda e ao irmão Charles que ele iniciou seu processo de letramento racial e começou a entender-se como homem negro e artista. Suas referências têm origem dentro de casa. Seu pai, que trabalhou por anos montando palcos de shows, escolheu essa profissão para poder usar seus dreads livremente, sem sofrer julgamentos sociais ou profissionais.
Chaene conta que sua vida pessoal e profissional convergiram no álbum mais recente da banda, Perpétuo, especialmente ao compor uma música dedicada à mãe, “Tradução” , que trabalhou grande parte da vida como babá. "Eu escrevi essa música no violão, no meu quarto. Foi um momento muito forte de reconexão. Como homem negro, às vezes é difícil mostrar vulnerabilidade ou ser sensível, mas ali eu consegui expressar um outro lado meu." Ele relembra a emoção de cantar essa música no Rock in Rio, com a mãe presente na plateia: "Quando mostrei a música para o produtor, ele disse que eu deveria gravá-la exatamente como cantei no violão, mas foi difícil para mim – estar vulnerável na frente de todo mundo e assumir o papel de vocalista. Depois, no Rock in Rio, quando fui cantar ‘Tradução’ e vi minha mãe na plateia, eu chorei. Naquele momento, entendi que o meu trabalho é isso. A gente pode ser agressivo e ser sensível, esse último álbum me deu a oportunidade como artista de me ver em outras camadas"
O impacto do trabalho de Chaene vai além do palco, alcançando sua família e os jovens que os acompanham. "Minha filha Giovanna, de 17 anos, é negra e muito orgulhosa disso. Ela estuda em escola particular e já enfrentou situações de racismo, mas não se cala. Para mim, isso é muito importante: ela rebate o racismo." Ele também menciona o poder da música em tocar
vidas: "No TikTok, vejo pessoas usando nossas músicas como trilha sonora, e isso me emociona. Em Uberlândia, minha cidade, conheci um menino autista em um evento de música. A mãe dele disse que ele quase não se comunicava, mas quis aprender bateria por causa das nossas músicas. Foi muito especial saber que nosso trabalho tem esse alcance."
Chaene destaca como a música também tem o poder de ressignificar espaços para sua mãe: "Ela enfrentou muito preconceito e trabalhou a vida toda como babá. Às vezes, ela acha que certos lugares não são para nós e evita ir. No nosso primeiro Rock in Rio, quando ela chegou no camarim, perguntou se podia comer. Eu disse a ela: ‘Tudo isso é nosso, nossa conquista.’ foi um momento em que senti o peso da vida que ela levou e também que eu tinha alcançado meu maior desejo, dar uma vida melhor para ela, colocar ela nos lugares e nos espaços que nós merecemos estar."
Para Chaene, o Black Pantera representa mais do que música: "Nosso trabalho é sobre os que vieram antes de nós e os que virão depois. Estamos mudando as coisas. Nos shows, vejo jovens com seus pais, pessoas mais velhas e uma galera usando black sem medo de serem quem são. É isso que queremos".
O rock feito por negros é mais do que arte. É protagonismo, é ancestralidade. É resistência e resgate. Mesmo com as barreiras e o longo caminho pela frente, a cena está mudando, e com esta matéria deixo para você leitor a mensagem. Nossa comunidade é bela, é artística, é potente, é imensa e resistente. Esteja nos lugares que você deseja, seja quem é nunca renegue suas origens. Aos poucos, através dos novos, recordaremos a história dos que vieram e foram esquecidos.
Que surjam mais, Chaenes, Diegos e Jullys com amor pela sua comunidade e sua arte. E que o futuro para os nossos seja diferente. Como uma estudante de jornalismo, neste encerramento de texto quebrou os protocolos linguísticos e de interação, para falar que esta matéria foi a mais significativa da minha carreira.
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