Viver no espelho: O impacto psicológico das comparações

A crescente porcentagem de jovens buscando tratamentos psicológicos está diretamente ligada as vidas artificiais existentes nas redes sociais

 


Imagem retirada da internet: Getty Imagens


Por: João Vitor Noberto


Nos últimos anos, a busca pela "aparência perfeita" tem se tornado tendência nacional, movido por padrões de beleza cada vez mais presentes nas redes sociais e na mídia. Os procedimentos estéticos se tornaram mais acessíveis e populares, com o avanço da tecnologia, levando muitas pessoas a busca de um tratamento para modificar sua imagem. 

Porém, essa pressão para alcançar esse modelo ideal, que as vezes é inalcançável, tem gerado consequências psicológicas sérias. Para quem não consegue atingir esse padrão, acaba desenvolvendo problemas de saúde mental como ansiedade e até depressão, evidenciando uma sociedade obcecada pela perfeição.


A perfeição fatal

Segundo relatório da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS), foram realizados, em 2020, 1.306.902 procedimentos de cirurgia plástica estética. Isso coloca o Brasil em segundo lugar no ranking global da entidade, atrás apenas dos Estados Unidos.

O mercado de procedimentos estéticos atingiu, em 2023, o valor global de US$ 127,1 bilhões (aproximadamente R$ 633 bilhões, na cotação atual). A estimativa é da Grand View Research, empresa de pesquisas de negócios que também projetou uma taxa de crescimento anual composta de 14,9% até 2030.

A alta procura por esses procedimentos também levam ao lado obscuro do mercado. Clínicas ilegais, falsos profissionais e a utilização destes geram aos pacientes consequências como sequelas, deformidades, perda de membros e até a mais drástica, o óbito.

Casos de procedimentos malsucedidos, de más recuperações e casos de morte vieram à tona na mídia, após grande crescimento da procura por esses tratamentos.


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Gráfico com notícias de procedimentos estéticos malsucedidos e casos graves de amputação e óbito


Em 2015, a modelo e criadora do conteúdo adulto Andressa Urach, ficou internada com complicações pela aplicação de hidrogel nas coxas e nos glúteos. A substância foi aplicada junto com o PMMA, o mesmo que causou rejeição no corpo de Mari Michelini. Urach ficou em estado grave na UTI, respirando por aparelhos. Ela passou por várias cirurgias para a retirada das substâncias do corpo.

A biomédica estética Daniela Funayama, em entrevista relatou, “O atrativo dessas clínicas (ilegais) é vender os procedimentos com o preço lá embaixo, que acaba atraindo os pacientes mal-informados, prejudicando as clínicas e profissionais que trabalham de maneira correta”

O Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) informa que, entre janeiro e maio de 2024, recebeu cerca de 90 de denúncias relacionadas a procedimentos médicos realizados por pessoas que não eram médicas. Desse total, aproximadamente 90% dizem respeito a tratamentos estéticos.

A influenciadora, modelo e ex participante do reality A Fazenda 13, Liziane Gutierrez de 38 anos, disse em entrevista ao portal do Correio Braziliense que sua aparência ficou tão alterada após um procedimento que se sentiu como um “monstro”.

“Eu fiz a harmonização em 2018 e tive a rejeição. Eu cortei minha boca inteira, eu não sei até quanto pode colocar, a pessoa que está fazendo o procedimento tem que saber. Quando começou a dar o problema, falou que é alergia, alergia, alergia e eu fiquei monstruosa. Foi horrível”

Imagem retirada do site Correio Braziliense


Uma reportagem especial feita pelo Fantástico (programa da rede Globo) que trouxe a discussão sobre o uso da substância FENOL em procedimentos estéticos, após caso de óbito do empresário Henrique Silva Chagas. Algo totalmente proibido pela ANVISA. A biomédica Daniela também relatou em entrevista:

“Os procedimentos com o uso de fenol estão totalmente proibidos, porém, são procedimentos tranquilos, não complicados, seguros e com bons resultados...feitos por um profissional habilitado, que não foi o caso do empresário, que infelizmente foi a óbito”

Tela de computador com texto preto sobre fundo branco

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Imagem retirada do Instagram, autorizada pela proprietária.


E mesmo com diversos casos que causaram aos pacientes consequências severas, que geraram traumas e nos casos mais graves, a perda da vida, a estatística aponta que os jovens têm, cada vez mais, procurado por tratamentos estéticos, buscando modificar sua aparência para alcançar uma imagem “idealizada” no seu meio social, a internet.


Beleza artificial: O sonho dos jovens

Um estudo feito pela Sociedade Brasileira de dermatologia aponta que 80% das pessoas entre 18 e 25 anos, já realizaram ou tem o desejo de realizar um procedimento estético, enquanto entre pessoas com mais de 40 anos, 60% pensam em fazer alguma mudança estética.



Uma imagem contendo Interface gráfica do usuário

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Gráfico com percentual de procura por procedimentos estéticos, separados por faixa etária


Daniela Funayama relatou em entrevista que a procura por procedimentos estéticos entre os jovens tem aumentado. Seja por motivos de autoestima, por algum problema que ocorreu, algum acidente ou até motivados pelas redes sociais. E ela tem aconselhado a todos estes jovens sobre padrões, sobre que os jovens precisam se sentir bem consigo mesmos e não idealizar e buscar um padrão estético.

“Não existe um padrão de beleza. É necessário entender sua anatomia, sua natureza, ver o que pode ser feito e que você vá se sentir bem, sempre acompanhado de um bom profissional em uma clínica credenciada”.

Uma matéria feita pelo jornal da USP informa que somente nos últimos dez anos, houve um aumento de 141% no número de procedimentos entre jovens de 13 a 18 anos, segundo a SBCP. Entre as cirurgias mais procuradas estão os implantes de silicone, a rinoplastia e a lipoaspiração. 

E isto está ligado a insatisfação com a própria imagem, com o que a sociedade acredita ser “bonito” e a necessidade que este jovem sente de estar dentro desse padrão, de poder se sentir aceito. Muitas vezes baseado no que esse próprio jovem acompanha em suas redes, acompanhando vidas, que não são a sua, mas querendo fazer parte ou ter aquilo.

Uma pesquisa realizada em 2014, com 150 pacientes entre 10 e 24 anos de idade atendidas no Ambulatório de Ginecologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e do hospital estadual Pérola Byington, na capital paulista, mostrou que 85% das jovens acreditam que existe um padrão de beleza imposto pela sociedade, 46% acreditam que mulheres magras são mais felizes e ainda que 55% delas adorariam acordar magras.

A psicóloga Caroline Scaff, em entrevista, relata que as redes sociais influenciam de maneira significativa como as pessoas percebem e conduzem suas vidas.

“Em busca de uma aparência idealizada e de padrões estéticos irreais, frequentemente divulgados online, alguns podem acabar vivendo em função de uma "vida de internet", desconectando-se da própria realidade. Isso pode resultar em frustrações e até em problemas sérios, como transtornos alimentares, quando a pessoa busca se enquadrar em padrões de beleza que, muitas vezes, são inalcançáveis ou editados digitalmente”.



Felicidade Virtual, Frustração Real: O Impacto Psicológico das Redes Sociais

Uma instituição de saúde pública do Reino Unido, a Royal Society for Public Health (RSPH), em parceria com o Movimento de Saúde Jovem realizou um estudo onde foi apontado que as redes sociais provocam efeitos positivos ou nocivos à saúde humana, dependendo de como são utilizadas.

Outras pesquisas sobre a influência da mídia na saúde mental revelam ainda que o tempo dispensado utilizando as redes sociais tem relação com o sentimento de isolamento do mundo real, o que pode contribuir para o desenvolvimento de transtornos mentais.


Interface gráfica do usuário, Site

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Gráfico que informa o efeito das redes sociais no desencadeamento de ansiedade


A comparação constante, principalmente dos jovens, que ainda estão se desenvolvendo como pessoas e como cidadãos, proporciona uma série de questionamentos e de anseios para viver uma vida que ele acompanha pelas redes.

Ao não alcançar este desejo, essa vida virtual, o jovem desencadeia uma insatisfação pessoal. Estresse, angústia, medo, baixa autoestima, atingem esse jovem insatisfeito, que totalizados, provocam danos à saúde e nos casos mais graves, doenças mentais.

A psicóloga Caroline Scaff completa:

“A comparação social é um dos principais fatores que contribuem para doenças mentais relacionadas às redes sociais. Ao comparar suas vidas e aparências com as idealizadas online, as pessoas podem sentir insegurança e insatisfação”.

De acordo com a Pesquisa Vigitel 2021, um dos mais completos levantamentos sobre saúde do país, 11,3% dos brasileiros relataram ter recebido um diagnóstico médico de depressão. Pelo excesso de exposição a notícias negativas, crises políticas, comparações sociais, geram “gatilhos emocionais” desencadeando ansiedade, depressão e estresse emocional.

Neste vídeo, de maneira mais simples e didática, é possível entender o impacto das redes sociais tem na saúde mental, não só dos jovens, mas de todos que mergulham nessa vida virtual.

Imagem retirada vídeo do canal Eurekka, Youtube


Alguns grupos são mais vulneráveis aos impactos negativos das redes sociais, como adolescentes, pessoas com baixa autoestima, quem já tem problemas de saúde mental, aqueles com pouca rede de apoio social e profissionais cuja carreira depende da imagem. No entanto, qualquer pessoa pode ser afetada dependendo do uso excessivo das redes sociais, disse a psicóloga Caroline, em entrevista.

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Imagem retirada do Instagram, autorizada pela proprietária


E ela também aconselha: “é importante estabelecer limites de tempo para o uso, desativar notificações e fazer uma "limpeza digital", seguindo perfis que promovam bem-estar e autenticidade. Priorizar interações presenciais e refletir sobre como o conteúdo afeta as emoções também pode ajudar a se libertar desse estresse”.


Nessa era da tecnologia, os jovens estão expostos a uma pressão constante para se comparar com as vidas aparentemente “perfeitas” mostradas nas redes sociais. Essa comparação gera insatisfação pessoal e, muitas vezes, leva ao desenvolvimento de doenças como ansiedade e depressão. 

Casos graves já foram divulgados e o a procura incessante continua. A busca por validação virtual pode danificar a autoestima e distorcer a percepção de realidade, criando um ciclo de insatisfação e sofrimento. É essencial que os jovens entendam o valor de suas próprias experiências e sentimentos em vez de viver de acordo com as expectativas das redes sociais. Viver é para muitos, algo espetacular, mas para entender sé ou não, é preciso viver bem e viver o mundo real.


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