Mais vagas, menos alunos: o paradoxo do ensino superior privado no Brasil

 

Segundo o Censo da Educação Superior de 2023, apenas 20% das vagas ofertadas foram preenchidas no país


Por: Nathália Baron e Maria Rita Coutinho


Foto: Reprodução/Pexels

O Brasil bateu recorde de oferta de vagas no ensino superior. Em 2023, foram mais de 24,6 milhões de oportunidades de ingresso em cursos de graduação. Um aumento de 8,1% em relação ao ano anterior. Os dados são do Censo da Educação Superior de 2023, realizado pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). A grande maioria, 95,9%, está nas mãos da rede privada, com destaque para os cursos a distância.

Apesar da explosão de vagas, a ocupação segue baixa. Apenas 20,2% das vagas disponíveis foram efetivamente preenchidas. Entre as instituições privadas com fins lucrativos, o número é ainda mais preocupante: 19,4% das vagas ofertadas foram ocupadas. Nas privadas sem fins lucrativos, o índice é ainda menor: 15,8%. Os dados revelam que nunca houve tantas vagas disponíveis, e mesmo assim, milhões de brasileiros continuam fora da universidade.

Fonte: Maria Rita/5º Notícia

Do boom da oferta à crise de ocupação

Nos últimos anos, o ensino superior brasileiro passou por uma transformação silenciosa, impulsionada por uma combinação de fatores: expansão do EAD, redução de barreiras regulatórias e uma corrida mercadológica por captação de alunos. As instituições privadas, especialmente as com fins lucrativos, assumiram o protagonismo num cenário em que a oferta passou a ser vista como estratégia de negócio, muitas vezes dissociada da real demanda estudantil.

Com a pandemia de Covid-19 e a popularização do ensino remoto, essa lógica se intensificou. Em 2023, os cursos a distância concentraram 77,7% de todas as vagas ofertadas, enquanto os presenciais ficaram com 22,3%. Só na rede privada, os cursos EAD representaram mais de 80% das vagas.

Fonte: Maria Rita/5º Notícia

O desequilíbrio é notável: enquanto universidades públicas, mesmo com oferta limitada, mantêm ocupação razoável (com destaque para as estaduais, que chegaram a 69,1% de ocupação), as privadas enfrentam um esvaziamento estrutural. A promessa de acesso massivo à educação não se converteu em matrículas efetivas.

Acesso não basta

Para entender essa desconexão, é preciso olhar para além dos números absolutos. Segundo o censo, 88,6% dos ingressantes no ensino superior em 2023 estavam matriculados em instituições privadas. Mas, ao mesmo tempo, 77,7% desses alunos haviam cursado o ensino médio em escolas públicas, o que demonstra um distanciamento entre a promessa de democratização do ensino e a realidade socioeconômica dos estudantes.

Cursos a distância, com mensalidades mais acessíveis, têm sido a principal via de entrada para esse público — mas nem sempre oferecem a estrutura de suporte necessária para garantir a permanência. Relatório do Instituto Semesp de 2023 mostrou que a evasão no ensino superior privado EAD pode chegar a 50% nos primeiros dois anos, especialmente entre estudantes de baixa renda e primeira geração na universidade.

Foto: Ryutaro Tsukata/Pexels


Frente a esse cenário, o secretário-executivo do MEC, Leonardo Barchini, ressaltou, em reportagem produzida pelo Governo Federal,  a importância de apoiar os alunos em situação de vulnerabilidade, mencionando novos programas de assistência estudantil sendo desenvolvidos com base nesses dados.

Segundo ele, “os dados nos mostraram que o caminho é cuidar desses estudantes, especialmente dos que mais precisam, porque eles respondem, eles dão resultado quando instados a entrar na educação superior. A gente dá uma chance para esses estudantes de baixa renda, pretos, pardos e indígenas, e eles respondem. Nesse sentido, com esse direcionamento, com base nesses dados, é que nós estamos desenhando os novos programas de concessão de benefícios de assistência estudantil para esses estudantes”, ressaltou Barchini, lembrando que o MEC já aumentou o valor da Política Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes).

A combinação de oferta excessiva, baixa atratividade, dificuldade de permanência e percepção de baixa qualidade cria um ciclo vicioso difícil de romper. Em vez de ampliar o acesso real à educação superior, o excesso de vagas não ocupadas expõe a fragilidade de um modelo baseado mais em volume do que em efetividade.



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