Alerta no céu: tragédias que acontecem acima de nossas cabeças
Voar é o segundo meio de transporte mais seguro do mundo, porém, o número de acidentes nos últimos anos pode estar alterando essa percepção
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Por: João
Vitor Noberto
Vivemos em uma era que tecnologia deveria tornar tudo mais
seguro. Inclusive os voos, uma vez que, o título de segundo meio de transporte
mais seguro é do avião. Entretanto, o Brasil registrou em 2024 o maior número
de mortes em acidentes aéreos dos últimos dez anos. Com 175 acidentes e 153
mortes.
Dados do Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de
Acidentes Aeronáuticos), Sipaer (Sistema de Investigação e Prevenção de
Acidentes Aeronáuticos) e alguns órgãos internacionais informam que, mesmo que
a aviação comercial em geral tenha avançado, voos simples, por motivos humanos
e ou falhas operacionais, continuam a gerando tragédias irreparáveis.
Mesmo com avanços tecnológicos, promessas de segurança no
transporte aéreo, o medo de voar voltou a ganhar força no Brasil. Acidentes
recentes colocaram novamente o setor da aviação sob holofotes, levantando
questionamentos sobre se o avião ainda é um meio de transporte seguro.
Crescimento
preocupante
Notícias sobre quedas de aviões tem sido recorrente nos
telejornais. Seja envolvendo aeronaves de companhias aéreas conhecidas, aviões
de pequeno porte em voos particulares ou aqueles utilizados para táxi aéreo (um
serviço não regular). O que era uma notícia impactante pelo ineditismo tem se
tornado algo comum. Provocando medo e desconfiança na sociedade.
Desde 2015, o Brasil registrou 1.559 acidentes aéreos, os
dados expõem uma tendência perigosa de negligência e falta de prevenção.
Conforme mostra o gráfico abaixo:
Gráfico com o aumento dos acidentes no Brasil desde 2015 até 2024.
Deste total, aproximadamente, 303 acidentes estão ligados à
perda de controle em voo. De excursão de pista (quando a aeronave ultrapassa os
limites da pista durante pouso ou decolagem), estão registrados, 290 incidentes
aéreos. Perda de controle no solo é responsável por 153 dos casos. E operação
em baixa altitude, com 126 acidentes.
A maior parte dos mortos nas ocorrências aéreas em 2024 eram
ocupantes do voo
2283 da Voepass, que caiu no dia 9 de agosto em Vinhedo (SP). A
aeronave decolou de Cascavel (PR) e tinha como destino o aeroporto de
Guarulhos, em São Paulo. O avião tinha 62
pessoas a bordo, sendo 58 passageiros e quatro tripulantes. Ninguém sobreviveu.
Em apenas uma década, nos casos registrados, foram mais de 770
mortes causadas por acidentes aéreos no Brasil. E as causas dessas fatalidades,
em sua maioria, foram erro humano e falha operacional. O levantamento do Cenipa
indica que a falha humana continua sendo o principal fator contribuinte nos
acidentes, com 355 casos diretamente a este fator.
Esses dados evidenciam a necessidade de que medidas devem
ser tomadas, pois, o aumento desses incidentes está diretamente ligado à
repetição das falhas humana e operacionais. Cada acidente não é apenas uma
estatística, também pode se tornar uma fatalidade, que interrompe futuros
promissores e que destroem famílias.
Essas informações são públicas, alarmantes e tem sido ignorada
por muitos. Nisso, algumas questões vêm à tona:
·
Como estão sendo realizados os treinamentos?
·
O que as companhias aéreas têm feito para
prevenir essas catástrofes?
·
Quantas tragédias mais precisam acontecer para
que a segurança aérea seja, de fato, prioridade?
As medidas
e a transparência
Apesar deste aumento dos acidentes registrados, as
principais companhias aéreas investem constantemente em sua segurança
operacional e tecnologia. Em notas, elas informaram que o treinamento de suas
equipes, protocolos de manutenção e ações de prevenção são pilares para reduzir
riscos. E que cumprem as diretrizes estabelecidas pela Agência Nacional de
Aviação Civil (Anac) e pelo Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de
Acidentes Aeronáuticos).
Em 2021, o Cenipa recomendou o reforço do treinamento de
pilotos de aeronaves ATR em voos com condições de gelo, após um incidente grave
ocorrido em 2013. A orientação foi dada à Anac para que as operadoras garantam
treinamentos teóricos, simulados e práticos suficientes para que as tripulações
adquiram o conhecimento necessário para reconhecer e agir adequadamente nessas
situações. Já em 2023, junto com a Força Aérea Brasileira (FAB), o Cenipa
ofereceu 28 cursos de prevenções e operações, ministrado para mais 5 mil
alunos. A meta de 2024 era de realizar mais de 30 cursos, ampliando o número de
alunos para mais de 7 mil.
Em uma coletiva de imprensa o representante do Cenipa, Tenente-Coronel
Aviador Carlos Henrique Baldin, após o incidente do voo 2283 da Voepass,
reforça o objetivo do órgão em relação a sociedade:
“Nosso trabalho é técnico, conduzido por técnicos
capacitados. E nosso único objetivo é de entregar respostas a sociedade para
que eventos inadmissíveis como este não voltem a acontecer. Para que lá na
frente, as lições aprendidas aqui, sejam usadas em prol da segurança da aviação
civil”
Imagem
retirada site da FAB.
As companhias aéreas brasileiras têm intensificado os
investimentos para renovação de frota, melhoria de infraestrutura e aumento da
segurança operacional. Juntas, Gol, Azul e Latam tiveram investimentos
bilionários em 2024.
A Gol recebeu três novas aeronaves Boeing 737 MAX, como
parte de um plano de operação de 53 modelos, até o início de 2025. O
investimento estimado ultrapassa R$ 1 bilhão, com foco no reforço da malha
aérea na alta temporada. A Azul investiu mais de R$ 3 bilhões na aquisição de
13 aeronaves Embraer E195-E2. Até dezembro, sete unidades haviam sido
entregues. A companhia estima a chegada de 15 novas aeronaves do mesmo modelo
ao longo de 2025.
A Latam anunciou um plano de investimento de US$ 2 bilhões
no Brasil para os próximos dois anos. Os recursos serão destinados à
modernização de serviços, tecnologia e ampliação das operações de manutenção,
especialmente no centro técnico de São Carlos (SP), o maior da América do Sul.
Entre janeiro e agosto de 2024, as três companhias também se
beneficiaram de incentivos fiscais. A Latam liderou com R$ 1,7 bilhão em
isenções, sendo R$ 1,3 bilhão voltados à compra e aluguel de aeronaves. A Azul
obteve R$ 1,05 bilhão, e a Gol, R$ 264 milhões em benefícios.
A aviação comercial brasileira contribuiu com R$ 81 bilhões
para o Produto Interno Bruto (PIB) do país em 2023. O setor também foi
responsável por R$ 34,7 bilhões em salários e R$ 25,4 bilhões em tributos
arrecadados.
Gráfico
com investimento e benefícios das companhias aéreas em 2024.
Os dados mostram um movimento de expansão, impulsionado
tanto por iniciativas privadas quanto por apoio do governo federal, com foco na
modernização e na sustentabilidade do setor aéreo brasileiro.
Também afirma que não existe diferença para treinamento em
voos nacionais e internacionais. “Tudo que é treinado para os voos nacionais serve
para os internacionais”.
E na opinião dele, a prevenção é o maior investimento dentro da companhia aérea, que contribui com a redução de acidentes aéreos. “Não esperamos que algo aconteça, para então, tentar melhorar. Mas sim, antes mesmo que o acidente aconteça, já estamos trabalhando de forma preventiva”.
Imagem retirada do Instagram, autorizada pelo proprietário.
O medo
de voar: um trauma coletivo
Para muitas pessoas, especialmente aquelas que viajam com
frequência, o medo de voar é real (e justificado). Em entrevista, a psicóloga
Thaís Migotto comenta:
“O medo de voar é irracional, a explicação de que o avião é
um meio de transporte seguro, não “convence” quem sente medo, o medo está fora
de controle da racionalidade. É ligado a fatores emocionais”.
Thaís Migotto acrescenta que na aérea dela (psicologia
analítica) o medo de voar é, também, entendido como uma simbologia. O que significa
esse “medo de voar” para aquele indivíduo. “O medo é algo instintivo, mas todos
medo tem uma simbologia”.
Mesmo sendo um meio de transporte considerado seguro,
segundo a Organização Internacional de Aviação Civil (ICAO), o medo de voar
continua presente na vida de milhões de pessoas. Dados compilados de relatórios
do ICAO, informam que até 40% dos americanos sentem algum grau de ansiedade ao
embarcar em um avião, número semelhante ao observado entre os franceses.
Um estudo de 2022 indicou que 26% dos brasileiros têm medo
moderado ou intenso de voar, número que pode estar em crescimento com a nova
onda de tragédias. A psicóloga Thaís Migotto completa:
“Todo evento que ganha notoriedade na mídia pode afetar as
pessoas, que podem se identificar com a situação, a informação pode despertar o
medo e pode levar a ideia de que é possível que aconteça com qualquer um de nós”.
Imagem retirada do Instagram, autorizada pela proprietária.
De acordo com o portal norte-americano The Hill,
aproximadamente 5% da população dos Estados Unidos sofre de aviofobia severa (fobia
que leva à recusa completa de voar). Uma pesquisa realizada pelo Instituto Real
Time Big Data, em 2024, revelou que dos brasileiros que sentem medo de voar, 65%
foram diagnosticados com aviofobia. E desses 65%, metade deles
(percentualmente) desenvolveram esse medo após uma experiência traumática.
Tragédias
que marcaram a história
Alguns acidentes aéreos marcaram profundamente a história da
aviação mundial. Eles contribuíram para o aumento do medo de voar. E mesmo em meio
a avanços tecnológicos e esforços por mais segurança, tragédias como a do voo da TAM em
Congonhas, em 2007, e a do voo Air France 447, que
caiu no Atlântico em 2009, ainda estão na memória coletiva da sociedade.
Esses capítulos trágicos transmitem uma percepção de insegurança, mesmo com
estatísticas que indicam altos padrões de segurança no setor.
Nacionais
Voo Voepass 2283 (2024): Em 9 de agosto de 2024, um
ATR 72-500 operado pela Voepass Linhas Aéreas caiu na cidade de Vinhedo,
interior de São Paulo, durante um voo entre Cascavel (PR) e o Aeroporto de
Guarulhos (SP). O acidente resultou na morte das 62 pessoas a bordo, incluindo passageiros
e tripulantes. As investigações iniciais apontam possível acúmulo de gelo nas
asas como causa provável do acidente, que foi o mais grave no Brasil desde o
desastre da TAM em 2007.
Voo TAM 3054 (2007): Em 17 de julho de 2007, um
Airbus A320 da TAM, vindo de Porto Alegre, não conseguiu frear ao pousar no
Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. A aeronave ultrapassou a pista, colidiu
com um prédio da própria companhia e explodiu, resultando na morte de 199
pessoas, incluindo 12 que estavam na rua e no prédio. Este é considerado o
maior desastre da aviação comercial brasileira.
Voo Gol 1907 (2006): Em 29 de setembro de 2006, um
Boeing 737 da Gol colidiu no ar com um jato executivo Legacy 600 sobre o estado
de Mato Grosso. O Boeing se partiu e caiu na floresta amazônica, matando todos
os 154 ocupantes. O acidente expôs falhas no controle de tráfego aéreo e na
comunicação entre pilotos e controladores.
Voo TAM 402 (1996): Em 31 de outubro de 1996, um
Fokker 100 da TAM caiu sobre o bairro do Jabaquara (SP). Logo após a decolagem
do Aeroporto de Congonhas. O acidente, causado por uma falha de um dispositivo
do avião, resultou na morte de 99 pessoas.
Voo VASP 168 (1982): Em 8 de junho de 1982, um Boeing
727 da VASP colidiu com a Serra da Aratanha, no estado do Ceará, durante a
aproximação para o pouso em Fortaleza. O acidente causou a morte de 137 pessoas.
Internacionais
Voo Air France 447 (2009): Em 1º de junho de 2009, um
Airbus A330 da Air France, que realizava o voo entre o Rio de Janeiro e Paris,
caiu no Oceano Atlântico, matando todos os 228 ocupantes. As investigações
apontaram falhas nos sensores de velocidade e na resposta dos pilotos a condições
meteorológicas.
Voo Swissair 111 (1998): Em 2 de setembro de 1998, um
McDonnell Douglas MD-11 da Swissair caiu no Oceano Atlântico, próximo ao
Canadá, devido a um incêndio na cabine causado por falhas no sistema. Todas as
229 pessoas a bordo morreram.
Voo Lauda Air 004 (1991): Em 26 de maio de 1991, um
Boeing 767 da Lauda Air caiu na Tailândia após o uma falha do piloto. O
acidente matou todas as 223 pessoas a bordo e levou a mudanças nos sistemas de
segurança das aeronaves.
Voo LANSA 508 (1971): Em 24 de dezembro de 1971, um
Lockheed L-188 Electra da companhia peruana LANSA caiu na floresta amazônica
após ser atingido por um raio durante uma tempestade. Dos 92 ocupantes, apenas
uma pessoa sobreviveu.
Linha do
tempo de inteligência artificial, com dados da matéria.
Ao longo das décadas, esses são alguns dos diversos
acidentes aéreos que impactaram profundamente o Brasil e o mundo. Essas catástrofes
enfatizam a importância contínua de investimentos em segurança, treinamento e
tecnologia na aviação, visando prevenir acidentes e, principalmente, proteger
vidas.
Voar é
(ainda) seguro?
Mesmo com os aumentos recentes de incidentes aéreos, o
Brasil ainda está abaixo dos Estados Unidos em números absolutos. Só em 2023,
os EUA registraram 1.216 acidentes aéreos, a maioria envolvendo pequenas
aeronaves privadas. Comparando com o Brasil, que em uma década, teve um total
de 1.559 sinistros aéreos.
No entanto, a taxa de mortalidade por acidente no Brasil é
consideravelmente maior, sugerindo falhas mais graves na prevenção e repostas
às emergências. O aumento nos acidentes e mortes em 2024, destaca a necessidade
de melhorias na fiscalização, treinamento de pilotos e manutenção de aeronaves,
especialmente as de pequeno porte.
Gráfico
com comparativo de Brasil e EUA sobre acidentes aéreos em 2024.
É perceptível através do gráfico que nos Estados Unidos,
como exemplo de comparação, a taxa de fatalidades é proporcionalmente menor. Refletindo
os investimentos contínuos em segurança e tecnologia na aviação.
Em 2025, até o momento, o Brasil registrou 21 acidentes
aéreos e 10 mortes (sinal de que o ano pode seguir o trágico padrão de 2024).
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Estatisticamente, voar continua
sendo o meio de transporte motorizado mais seguro do mundo. Segundo relatório
publicado pela IATA (Associação Internacional de Transporte Aéreo), o ano de
2023 apresentou os melhores indicadores de segurança da aviação global em mais
de uma década.
Estudos do Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (MIT) indicam que o risco de morte em acidentes aéreos diminui
aproximadamente 7% ao ano. O risco
médio de fatalidade no setor caiu para 0,03 por milhão de voos, o que significa
que uma pessoa teria que embarcar em um voo todos os dias por 103.239 anos para
sofrer um acidente fatal.
Um levantamento da ICAO (Organização Internacional de
Aviação Civil) revela que, em 2023, ocorreram 66 acidentes em voos comerciais
regulares, número ligeiramente superior ao de 2022 (64). Ainda assim, a taxa
média foi de 1,87 acidente por milhão de decolagens, mantendo a tendência de
queda nas últimas décadas.
Portanto, apesar de incidentes de grande repercussão e que geram
apreensão, os dados validam que voar continua sendo extremamente seguro. Mas
isso não isenta os órgãos e as companhias de suas responsabilidades. A
obstinação por lucros, cortes de custos e negligência técnica são pontos
perigosos.
A aviação brasileira precisa agir com firmeza. Fortalecendo
a fiscalização de aeronaves privadas e agrícolas. Ministrar e fiscalizar,
constantemente, os treinamentos e atualizações de pilotos. E tornar pública e
acessível toda investigação de qualquer um desses acidentes. Para que a
sociedade esteja ciente do cenário atual e que possa decidir se voar é o seu
meio de transporte seguro.
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