Brasil Olímpico: De onde vêm os nossos medalhistas?

 

Das grandes metrópoles às pequenas cidades, um panorama sobre as origens dos atletas que fazem história nos Jogos Olímpicos 
 
Por: Lucas Albieri 
 
O Brasil encerrou sua participação nas Olimpíadas de Paris 2024 com recorde histórico de medalhas, consolidando o país como uma potência emergente nos esportes olímpicos. Foram 170 medalhas conquistadas desde a estreia brasileira nos Jogos de Antuérpia, em 1920, sendo 40 de ouro, 49 de prata e 81 de bronze. Mas por trás desse sucesso esportivo, surge uma pergunta que vai além das quadras e pistas: de onde vêm os nossos campeões olímpicos? Historicamente, as grandes metrópoles do Sudeste, como São Paulo e Rio de Janeiro, foram o berço da maioria dos medalhistas. São Paulo lidera de forma isolada, com 232 atletas olímpicos medalhistas, enquanto o Rio de Janeiro soma 105. Minas Gerais, com 33 medalhistas, Rio Grande do Sul, com 27, e Paraná, com 15, completam o top 5. Esses números não são por acaso: refletem a concentração de infraestrutura esportiva, patrocínios e investimentos públicos e privados que historicamente favoreceram essas regiões. 

A especialista em esportes olímpicos Kátia Rubio destaca que essa concentração regional tem raízes históricas e culturais. “É o esporte, ele não se desenvolve sem economia, né? Então, a concentração de atletas não é apenas no Sudeste, mas também no Sul, porque Porto Alegre sempre foi um polo do esporte brasileiro — principalmente pela herança da tradição alemã e italiana. Esses imigrantes trouxeram dos seus países de origem uma tradição que já era consolidada”, explica ela. 
 
A geografia dos pódios 

Um levantamento recente mostra como as medalhas brasileiras ainda estão concentradas nas regiões mais ricas e populosas. Veja a distribuição completa:


Infográfico mostrando a distribuição de medalhistas espalhados pelo Brasil 



 

Outros estados, como Espírito Santo, Goiás, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Amazonas, Sergipe, Alagoas, Tocantins, Mato Grosso e Piauí, também já revelaram ao menos um medalhista. Por outro lado, Acre, Amapá, Roraima, Rondônia, Paraíba e Rio Grande do Norte ainda não tiveram representantes no pódio olímpico. 

 
Kátia Rubio complementa: “É preciso lembrar que não existe o surgimento espontâneo de um atleta olímpico. O atleta que chega aos Jogos Olímpicos é resultado de um processo. Ele precisa ter entre oito e doze mil horas de treinamento, com uma equipe especializada e uma estrutura que exige investimento, seja público, com políticas de incentivo, ou privado, com leis de incentivo ao esporte. Sem isso, não há rendimento.” 

Essa distribuição revela muito sobre as desigualdades regionais do Brasil. Estados mais ricos, como São Paulo e Rio de Janeiro, historicamente concentraram investimentos em clubes, centros de treinamento, escolas de base e federações esportivas. São locais que oferecem estrutura adequada desde a infância, além de mais oportunidades de patrocínio e apoio governamental. 

Os programas sociais e a virada de chave 

Apesar do histórico de concentração no Sudeste, as últimas décadas trouxeram mudanças importantes. Uma delas é a criação do Bolsa Atleta, programa federal de incentivo financeiro a esportistas de alto rendimento. Desde a sua implantação, o programa já beneficiou milhares de atletas, proporcionando condições mínimas para custear alimentação, transporte, equipamentos e treinamentos — itens muitas vezes inacessíveis em regiões mais carentes. 

Em 2024, por exemplo, o Bolsa Atleta contemplou mais de 6.000 atletas em todo o país, divididos em várias categorias: 

Imagem: COB (Comitê Olímpico do Brasil) 
 

 

  • Atleta de Base: R$ 370,00 mensais 

  • Atleta Estudantil: R$ 370,00 mensais 

  • Atleta Nacional: R$ 925,00 mensais 

  • Atleta Internacional: R$ 1.850,00 mensais 

  • Atleta Olímpico/Paralímpico: R$ 3.100,00 mensais 

  • Atleta Pódio: até R$ 15.000,00 mensais 


Para atletas de cidades pequenas ou de estados menos estruturados, esse incentivo pode significar a diferença entre permanecer no esporte ou abandoná-lo. Entretanto, como ressalta Kátia, “o segredo para se formar um medalhista é ter estrutura. A estrutura esportiva brasileira é muito calcada nos clubes, que são privados. Alguns têm políticas de recepção de atletas que não precisam necessariamente ser sócios, mas contam com estrutura para treinar. Nas regiões onde há clubes organizados, como Sul e Sudeste, é mais fácil. No restante do país, os clubes têm mais caráter recreativo do que competitivo.” 
 

Isaquias e Rayssa: os embaixadores da nova era 

O exemplo de Isaquias Queiroz é emblemático. Natural de Ubaitaba (BA), o canoísta precisou superar a falta de estrutura para se tornar o maior medalhista olímpico da história do Brasil, com cinco pódios conquistados até Paris 2024. Sua história inspira outros jovens de cidades pequenas que sonham com o alto rendimento. 

Outro fenômeno é Rayssa Leal, a “Fadinha do Skate”, que nasceu em Imperatriz (MA). Com apenas 13 anos, ela conquistou a prata em Tóquio 2020 e voltou ao pódio em Paris 2024, solidificando seu nome como estrela do esporte brasileiro.


Imagem: Reprodução/Rayssa Leal

Esses casos mostram que o talento não escolhe CEP, mas as oportunidades, sim. 
 

A interiorização do esporte 

Especialistas apontam que o aumento da capilaridade de projetos esportivos, como o fortalecimento das federações estaduais, centros de treinamento regionais e a presença de núcleos esportivos do governo federal, são fundamentais para romper a hegemonia dos grandes centros. 

Além disso, eventos como os Jogos Escolares Brasileiros (JEBs) e os Jogos da Juventude passaram a incluir seletivas regionais mais abrangentes, aumentando a visibilidade de atletas de cidades pequenas. Mas, como lembra Kátia Rubio, ainda há muito a avançar: “Vejo um crescimento das políticas públicas para equalizar essa desigualdade regional, mas ainda é necessário um desenvolvimento social global para que o esporte chegue a essas regiões onde ele é pouco desenvolvido. Por isso, defendo a importância da prática esportiva na escola, não apenas com a mentalidade de formar campeões olímpicos, mas como uma atividade fundamental para o desenvolvimento humano. Se surgir um talento, ótimo, mas o principal é garantir que todos tenham acesso ao esporte.” 

O futuro 

Embora o quadro ainda mostre desigualdades com estados inteiros sem medalhistas olímpicos, o Brasil caminha para se tornar mais plural na formação de seus campeões. Iniciativas públicas e privadas, somadas ao talento que brota em cada canto do país, prometem um futuro em que o pódio olímpico não terá só sotaque paulista ou carioca. 

Afinal, se o talento é democrático, o acesso ao esporte precisa ser também. 

Brasil Olímpico: de onde vêm nossos medalhistas? Ainda, majoritariamente, das grandes capitais do Sudeste. Mas cada Isaquias, cada Rayssa que surge no interior é uma prova de que a chama olímpica pode acender em qualquer lugar — basta ter oportunidade. 

 

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