Vitiligo: Das primeiras manchas à aceitação

Por: Mirela Almeida

Relatos de pacientes e informações de especialistas para desmistificar a condição que atinge milhões de pessoas no mundo

O vitiligo atinge até 1% da população mundial / Foto: Pinterest

Possíveis causas e tratamentos

Perda de pigmento no cabelo e nos pelos corporais

Cuidados e sensibilidade da pele

O vitiligo em personalidades da mídia

Políticas públicas e os desafios contra a desinformação e o preconceito

Autoestima e acompanhamento psicológico

Os avanços na medicina para o tratamento do vitiligo


O vitiligo é uma doença autoimune – também chamada de condição - que causa a despigmentação na coloração da pele, o que é denominado de hipopigmentação. Essa perda na pigmentação ocorre pela falta de melanócitos, células responsáveis pela formação da melanina. O vitiligo tem como característica manchas brancas pelo corpo e, também, em alguns casos, nos pelos e no cabelo.

Representação da falta de melanócitos / Foto: Reprodução

O vitiligo não causa dor, tendo como principal sintoma e foco de atenção o surgimento de manchas brancas pelo corpo. O diagnóstico da doença é clínico, sendo possível a identificação a olho nu. De acordo com especialistas, para pacientes com a pele mais clara, a identificação dessas manchas pode ser um pouco mais demorada, devido à tonalidade da pele ser muito próxima da tonalidade das manchas, sendo possível a identificação, muitas vezes, após a pele ter uma longa exposição ao sol e ficar bronzeada, aumentando o contraste da pele em relação às manchas. Para melhor visualização dos primeiros sinais, é necessário o uso de um aparelho chamado luz de Wood, que destaca as manchas e auxilia na identificação da doença. 

Quanto à biópsia, segundo a médica dermatologista especialista em vitiligo, Patrícia Paludo, é dispensável para o diagnóstico de vitiligo, uma vez que não se tem um padrão característico para a doença. “A biópsia pode ser realizada em algum outro momento para descartar alguma outra doença, como a líquen escleroso atrófico, que são lesões que acometem a região genital. As duas condições apresentam manchas brancas e, às vezes, podem confundir um pouco, mas para o diagnóstico de vitiligo, realmente não é necessário realizar a biópsia”.

 A doença pode ser dividida em duas categorias: vitiligo segmentar e vitiligo não segmentar:

O vitiligo segmentar tem como característica um vitiligo unilateral em faixa, que segue o trajeto de um determinado nervo, originado por um processo neural. Há substâncias liberadas no trajeto de um determinado nervo, que ocasionam a destruição dos melanócitos da pele, quando destruídas, surgem manchas brancas na pele.

O segundo é o vitiligo não segmentar, o tipo mais comum da doença, caracterizado por ter manchas de forma bilateral e simétrica. É o tipo de vitiligo que pode acometer diferentes áreas do corpo, seja com poucas manchas, mais localizadas, ou com um desenvolvimento mais significativo das manchas na pele. O vitiligo não segmentar tem um componente autoimune, no qual o sistema de defesa passa a destruir as células responsáveis pela pigmentação da pele (melanócitos), surgindo assim as manchas brancas do vitiligo. 

Atualmente, de acordo com a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), o vitiligo atinge até 2% da população mundial e mais de um milhão de brasileiros (0,5% da população nacional). As manchas podem surgir em homens e mulheres de diferentes faixas etárias, e de diferentes tons de pele, não existindo um padrão estabelecido.

“Eu fui ao dermatologista, mas ele falou para mim que seria pano branco, mas quando eu fui em outros dermatologistas, eles disseram que era vitiligo e não era pano branco.” – Jeicy Kelly, 16 anos.

“Eu tinha 17 anos quando surgiram as primeiras manchas. Eu tenho a questão da hereditariedade, mas independente disso, acredito que o start sempre seja emocional.” – Giovanni Ferreira, 32 anos.

“No começo acharam que era pano branco, comecei a fazer tratamento, mas não estava evoluindo, e quando procurei um especialista deu que era vitiligo.” – Ligia Souza, 38 anos.

Possíveis causas e tratamento

O surgimento das manchas pode estar relacionado a diversos fatores, como doenças autoimunes, traumas, estresse ou hereditariedade.

 

O componente genético (hereditariedade) já é algo bastante estabelecido como fator para o surgimento do vitiligo, no entanto, hoje em dia, segundo a médica especialista, o estresse é um dos fatores mais desencadeantes para o surgimento e avanço da doença, mesmo que o paciente não possua genes que predispõem o surgimento do vitiligo. 

Diferentes pacientes notaram o surgimento das manchas brancas após alguma situação que tenha afetado o emocional, em especial, o estresse.

Ligia Souza: “Tive as primeiras manchas com um estresse que tive no meu trabalho (2016 para 2017)”.

Giovanni Ferreira: “Não consigo identificar algo específico, mas eu tinha 17 anos, estava naquela fase que a gente acredita ser decisiva na nossa vida, de finalizar a escola, com muitas mudanças internas e tentando me reconhecer”.

Jeicy Kelly: “Eu tive muitos traumas quando criança. Meus pais brigavam, minha mãe saía muito. Acho que foi por isso também, por causa do estresse. Hoje em dia eu tenho muito estresse”.

“É super importante ter o olhar nesse sentido: de tentar um controle no emocional, tentar um controle nos fatores de estresse, ansiedade, depressão, para que tenhamos uma melhor progressão no [tratamento] do vitiligo, para tentar diminuir as fases de atividade da doença, então cuidar do emocional é uma parte importante”, destaca a médica Patrícia. Além disso, para a especialista, mais do que estagnar o avanço da doença, o processo de repigmentação da pele também é importante, com o auxílio de medicamentos ou outras modalidades para tratamento. 

Apesar do vitiligo não ter cura, atualmente, existem diversos tratamentos indicados que retardam o surgimento das manchas e estagnam o avanço da doença, assim como modalidades que auxiliam na repigmentação das áreas afetadas. Entre os tratamentos estão:

Imunomoduladores: são substâncias que agem diretamente no sistema imunológico, ajudando em sua atividade e agindo diretamente nas doenças autoimunes. 

Corticoides tópicos: são medicamentos que podem ser usados em forma de pomadas, cremes, loções ou géis para tratar doenças de pele e mucosas.

Fototerapia: tratamento que utiliza luzes artificiais (portátil, cabine ou laser) para estimular ou inibir a atividade celular. Considerado o tratamento mais indicado para pacientes com vitiligo.

Transplante de melanócitos: é uma técnica cirúrgica que consiste em transplantar fragmentos de pele com uma maior concentração de melanócitos para áreas com manchas de vitiligo. Indicado como última alternativa, quando as manchas não apresentam capacidade de melhora com o tratamento clínico.

Um dos aspectos avaliados pelos dermatologistas para indicar o melhor tratamento é a capacidade de pigmentação que as manchas apresentam, ou seja, a cor da pele no interior da mancha. Quanto mais próxima da tonalidade da cor da pele, é um indicativo de que as células de pigmentos continuam presentes na região, o que significa uma melhor capacidade de recuperação da área.

Quando as manchas já estão completamente brancas, é um indicativo de que já houve uma destruição bastante significativa das células de pigmento, dificultando o processo de melhora da região. Essa característica leva a observação dos pelos presentes na região das manchas, outro aspecto importante na análise dos profissionais de dermatologia. 

Perda de pigmento no cabelo e nos pelos corporais

Com o avanço do vitiligo, a despigmentação capilar pode ocorrer em qualquer parte do corpo, assim como no couro cabeludo, pois os melanócitos do folículo piloso podem ser destruídos e o pelo ficar branco. Devido a isso, da mesma forma que a tonalidade no interior da mancha é ponto de avaliação, os pelos corporais também se tornam fatores de atenção ao longo do tratamento da doença. “Quando nós ainda temos pelos pigmentados no interior da mancha, isso nos indica que nós temos a capacidade de melhora dessa região, então manchas com pelo com a coloração preservadas, apresentam maior capacidade de pigmentação”. A especialista Patrícia ainda explica que quando os pelos estão brancos, é um indicador de que as células de pigmentação estão comprometidas. “Quando o pelo fica branco, nós temos menos capacidade de melhora. Pode ocorrer uma melhora, mas é mais limitada. Assim como nas áreas onde nós não temos pelos, então áreas que não tem pelo, tendem uma dificuldade maior de pigmentação”. Ou seja, os pelos se tornam um tipo de indicador de “reserva” desses melanócitos.

Quando as manchas surgem nas regiões do corpo que não possuem pelos, como as pontas e articulações dos dedos, os pulsos e os pés, demanda de um tratamento quanto antes, para uma melhor capacidade de recuperação do tom da pele. No entanto, a medida em que as manchas vão crescendo nessas áreas, tendem a ter maior dificuldade de recuperação.

Cuidados e sensibilidade da pele

Quanto a sensibilidade da pele e a exposição ao sol, Paludo esclarece que o sol é um componente importante e pode se tornar parte do tratamento do vitiligo, uma vez que ele estimula a pigmentação da pele e a radiação ultravioleta, presente na luz solar, é um dos componentes presentes no tratamento de fototerapia. No entanto, a médica alerta que as áreas afetadas pelo vitiligo se mostram bastante sensíveis ao sol e tendem a queimar com maior facilidade, principalmente quando expostas ao sol por tempo prolongado. Dessa forma, quando houver a exposição diante da luz natural, é necessário buscar o equilíbrio entre a exposição ao sol como agente auxiliador no tratamento, mas também redobrar os cuidados com a proteção da pele.

O principal sintoma do vitiligo é o surgimento das manchas brancas, e apesar de não causar dor, alguns pacientes relatam uma leve coceira na área em que surgem as manchas. “Geralmente, o vitiligo é assintomático. No entanto, nós observamos em um número significativo de pacientes uma certa coceira, especialmente quando as manchas estão iniciando. Não é tão frequente, mas há pacientes que relatam uma certa coceira. Fora isso, não há outros sintomas associados”. A médica ainda esclarece que o surgimento das manchas não causa uma alteração estrutural na pele, ou seja, não há um ressecamento ou afinamento da pele. Os produtos adotados para os cuidados com a pele não necessariamente vão estar ligados ao vitiligo. “Os cuidados vão depender, basicamente, da pele especificamente de cada paciente. Se é mais ressecada, então um cuidado maior com a hidratação, o protetor solar de acordo com o tipo de pele, às vezes um fator de proteção um pouco mais alto, se a exposição for mais intensa, mas não há um tipo específico recomendado para esses pacientes”.

O vitiligo em personalidades da mídia

Michael Jackson

O cantor norte-americano Michael Jackson, conhecido como o ‘Rei do Pop’, teve uma carreira de muito sucesso, mas repleta de polêmicas. Uma delas foi a mudança gradual em sua aparência a partir dos anos 80. Seu tom de pele, que era naturalmente negra, foi ficando mais clara. Já o cabelo Black Power, aos poucos foi passando para um cacheado até ficar completamente liso.

Durante o processo de mudança no visual, Michael recebeu diversas críticas do público, que o acusavam de não se aceitar como uma pessoa negra. Em 1993, em uma entrevista para a apresentadora Oprah Winfrey, o cantor falou pela primeira vez sobre o assunto e revelou sofrer de uma doença genética que influenciava na mudança de cor de sua pele. Apesar de não ter compartilhado detalhes sobre o seu quadro clínico, muito se especulou na época sobre o uso de hidroquinona por parte do artista para acelerar o processo de clareamento da pele.

Entrevista de Michael Jackson para Oprah Winfrey (1993) / Foto: YouTube (Revista Veja)

Quando perguntado sobre o diagnóstico clínico do artista, o médico dermatologista e coordenador do departamento de biologia molecular genética e imunologia da SBD, Caio de Castro, deu mais detalhes sobre o procedimento especulado. “É um monobenzil éter de hidroquinona para clarear. Esse é um assunto muito polêmico que ninguém tem certeza. Dá para usar esse clareador de pele, mas aqui no Brasil ele é proibido, ainda não é liberado pela Anvisa, porque ele pode despigmentar áreas longe de onde passamos o creme”.

Após a morte do astro, foi confirmado através do relatório de autópsia realizado pelo Instituto Médico Legal de Los Angeles, que Michael Jackson tinha vitiligo universal, uma condição mais rara e agressiva da doença que chega a clarear mais de 70% ou 80% da pele e que atinge cerca de 1% da população mundial.

Sobre os tratamentos e cuidados para esse tipo de vitiligo, a médica Patrícia Paludo explica: “Nesses casos, nós podemos indicar a despigmentação da pele, pois há poucas áreas ainda com a pigmentação, e o paciente, muitas vezes, prefere terminar de despigmentar a pele do que tentar um processo de pigmentação que pode ser bastante trabalhoso, bastante extenso, demanda muito do paciente e muitas vezes, mesmo pigmentando, pode voltar a despigmentar, então o processo de despigmentação pode, sim, ser utilizado nesses pacientes que apresentam um vitiligo universal, que é o vitiligo mais extenso e mais raro.  São utilizados os cremes clareadores que nos ajudam a despigmentar de uma forma definitiva essas áreas que ainda permanecem com coloração. [...] Uma pessoa que despigmenta 100% vai ficar mais sensível ao sol, essa pessoa precisa ter maiores cuidados em relação à proteção solar, com uso de acessórios como chapéus, óculos, protetor solar, roupa de proteção, devido o maior risco de queimadura”.

Barbarhat Sueyassu

Um exemplo notório na mídia brasileira de paciente com o vitiligo universal é a influenciadora Barbarhat Sueyassu. As primeiras manchas da modelo começaram a surgir ainda na infância e após não obter muito sucesso no tratamento, foi diagnosticada com o tipo raro da doença. Em entrevista para o UOL, ela conta que sofre preconceitos de pessoas que acham que ela acelerou o processo de clareamento da pele, mas apesar disso, se relaciona muito bem com o seu diagnóstico. “Como a pele está mais desprotegida pela falta de melanina, me queimo mais facilmente no sol. Esse é o único agravante, mas nada que não se resolva com o uso do protetor solar”. Em suas redes sociais, Barbarhat compartilha sua vivência com o vitiligo, esclarecendo dúvidas e conscientizando sobre a doença. 


Barbarhat Sueyassu em publicação no dia 25 de junho, Dia Mundial do Vitiligo / Foto: @barbarhat (Instagram)

Assim como Barbarhat, o paciente Giovanni também é ator, e por conta do vitiligo, passou a realizar trabalhos como modelo. “O vitiligo que me trouxe para a área de modelo. Foi o meu diferencial que me levou para esse lado”.

Giovanni Ferreira em publicação na página do Instagram do Coletiviti / Foto: @coletiviti (Instagram)

Angélica Moreno

A criadora de conteúdo Angélica Moreno, conhecida nas redes como ‘Panda Angélica', conta que suas primeiras manchas brancas surgiram na região dos olhos, quando tinha somente seis anos de idade. Há alguns anos, relatou ter interrompido o tratamento de vitiligo em uma decisão bastante pessoal, em meio a conflitos estéticos e a frustração de uma não regressão do quadro. Apesar do relato, conta que atualmente lida muito bem com sua aparência e que aprendeu a se aceitar.  


Angélica Moreno em vídeo para o seu canal no YouTube / Foto: pandaangelica (canal no YouTube)


Winnie Harlow

A modelo canadense Winnie Harlow desafiou os padrões de beleza da moda ao desfilar nas principais passarelas do mundo e posar para grandes marcas de grife. Suas manchas surgiram ainda quando criança e enfrentou muitas dificuldades de aceitação em meio ao intenso bullying que sofreu na época da escola e pela falta de informação sobre o vitiligo. Winnie conta em suas redes sociais que um professor foi fundamental em auxiliá-la sobre o assunto. Hoje, a modelo é porta-voz sobre o assunto.


Modelo Winnie Harlow / Foto: The Daily Front Row

DJ KL JAY

Outra figura pública de destaque é o DJ brasileiro KL Jay.  Em uma entrevista para o podcast ‘Rap, falando’, o membro do Racionais Mc’s demonstrou lidar muito bem com a sua condição. Ele conta que foi uma fase que chegou em sua vida e que aprendeu a lidar. Adepto à medicina indígena, relatou fazer o uso de um remédio à base de Cipó-de-São-João e obteve resultados positivos no controle do surgimento das manchas. “É um privilégio ter duas cores”, declarou o DJ. 


DJ KL Jay em entrevista para o Podcast ‘Rap, falando’ / Foto: YouTube (Cortes Rap, falando)


O médico Caio de Castro explica que o uso da planta para fins medicinais é um método antigo, mas hoje em dia o método está em desuso. “A erva de São João é uma medicação antiga, usada em forma de chá. [...] Ele dá uma fotossensibilidade intensa, pode fazer até queimaduras. Mas é um tratamento antigo que já não é mais utilizado, pois tem a fototerapia, que é muito melhor”.

A paciente Lígia conta que também fez o uso de medicamentos naturais, entre eles o chá de mama-cadela, que foi indicado a ela por pessoas que relataram ter tido bons resultados. No entanto, Ligia suspendeu o uso após não ter tido resultados na diminuição das manchas “Não curou, mas as manchas não evoluíram”.

Quanto às questões de fotossensibilidade e o uso de medicamentos naturais sem prescrição médica, a médica Patrícia alerta que o natural também pode ser perigoso, e explica como as substâncias presentes nos medicamentos naturais podem causar mudanças significativas em nosso organismo. “Existem alguns medicamentos que são naturais, que tem princípios ativos como a mama-cadela, que é um medicamento bastante utilizado no Cerrado. Mas o Cipó-de-São-João não tem uma comprovação científica de eficácia, então depende muito de como o paciente utiliza esse medicamento, às vezes pode estar relacionado a algo a mais que ele faça, por exemplo, alguma exposição ao sol, algo que possa estar ajudando no processo de pigmentação. Existem várias substâncias que tem um processo de fotossensibilização da pele, que torna a pele mais sensível ao sol, então quando o paciente é exposto ao sol, esse sol vai ser potencializado e vai ter um efeito terapêutico. Nós não indicamos muito esses medicamentos naturais pelo risco que eles oferecem de queimadura e, quando ingeridos, muitos deles podem ter efeitos colaterais sistêmicos, como alteração hepática, alteração na própria visão, pois o olho fica mais sensibilizado, tem maior risco de catarata, então os medicamentos naturais também devem ser tomados com cautela, uma vez que não há uma posologia específica, então as pessoas muitas vezes não sabem quanto usar do medicamento, qual a dose usar, e isso pode acarretar mais problemas para a saúde, apesar de ser algo natural, quando não é feito de forma correta, pode ocasionar efeitos colaterais”.

Políticas públicas e os desafios contra a desinformação e o preconceito

O dia 25 de junho é o Dia Mundial do Vitiligo. A data foi criada em 2011 e visa conscientizar e combater a desinformação e preconceito a respeito do vitiligo. Apesar de ser uma doença assintomática e não contagiosa, muita desinformação sobre a condição é compartilhada, gerando olhares e comentários – por vezes preconceituosos - direcionados às pessoas com vitiligo.

Ligia Souza: “Já tive muitos olhares e julgamentos, principalmente de crianças, de me olhar e às vezes até comentar com os responsáveis o porquê a minha pele tinha manchas. [...] Perguntam se eu tenho vergonha, o porquê fiquei assim”.

Jeicy Kelly: “As pessoas julgam. Perguntam se eu faço tratamento para isso [...] perguntam se eu sei que vão crescer, perguntam o motivo, eu falo que é o estresse. Elas julgam quando eu passo, elas olham para mim... antigamente eu sofria muito bullying por conta disso, principalmente por nome de animais, [me] comparando”.

Giovanni Ferreira: “Crianças são curiosas e fofas, elas querem entender. Os adultos variam muito, a maioria simplesmente vive sua própria vida, mas às vezes os adultos são inconvenientes. Já fui parado muitas vezes na rua por pessoas querendo me indicar tratamentos. [...] As pessoas de fora que se incomodam mais com o vitiligo do que eu, perguntam “Sabe o que é bom para ISSO?”, eu apenas falo que não preciso e amo meu vitiligo”.

Com a internet, o acesso à informação sobre vitiligo está muito mais fácil, no entanto, a divulgação de campanhas que conscientizem sobre o assunto, o acolhimento e informação sobre o tratamento, ainda geram debates.

Para Lígia, é notável a falta de materiais informativos e campanhas sobre a doença. “Não existem campanhas necessárias, às vezes eles colocam uma campanha [sobre] preconceito, com vários tipos de pessoas, aí vão lá e colocam uma pessoa com vitiligo e fica por aí mesmo. Não fornecem campanhas para combater e os tratamentos específicos”.

A estudante Jeicy Kelly conta que após ser diagnosticada se deparou com diversas informações incorretas sobre o tema, como também percebeu a falta de acolhimento com pessoas com vitiligo, o que a incentivou a pesquisar mais sobre o tema e a compartilhar em suas redes sociais sua vivência e apoiar outras pessoas com vitiligo. “Eu acho que para quem tem, não tem acesso ao acolhimento. Para quem tem problema de autoestima não tem acesso à informação. [...] As pessoas falam que tem problema com isso e eu falo que são lindos do jeito que são, que não é para ligar para o julgamento dos outros...”.

Giovanni conta que também enfrentou problemas no início do seu diagnóstico e que o protetor solar, um item básico para o dia a dia, mas que é ainda mais importante para pessoas com vitiligo, não é acessível. “Eu tinha um desgaste gigante na época que fazia o tratamento, e só consegui, pois na época uma conhecida estava se formando na universidade que eu me tratei, e ela soube me informar como fazer, mas os próprios dermatologistas não sabem informar sobre o vitiligo. Uma outra questão é que o protetor é essencial na nossa vida, mas muitas pessoas não têm acesso. Como protetor solar está na categoria de cosméticos, e cosmético não é remédio, não existe uma forma das pessoas com vitiligo e outras questões de pele terem acesso gratuito a ele”.

Para a médica especialista Patrícia, um dos maiores pontos de alerta é a desinformação e como as informações sobre tratamento podem ser divulgadas de forma inverídica, ou informações que possam atrapalhar o tratamento desses pacientes. “Muitas vezes os pacientes buscam na internet e há algumas coisas um pouco perigosas, no sentido de desinformação ou de informações que não tenham um embasamento científico, e da forma como as informações são interpretadas pelos pacientes, porque para a maioria dos casos de vitiligo, realmente não há cura, mas ‘não há cura’ é bastante forte, e para muita gente ‘não há cura, não há tratamento’ e são coisas diferentes. Curar seria não ter nunca mais nenhuma mancha de vitiligo, mas o que nós temos hoje é conseguir parar a progressão das manchas, nós conseguimos recuperar a cor, no entanto, em algum momento, as manchas podem retornar, e aí o processo deve ser repetido e você vai controlar novamente e repigmentar. Então, há mais informação, mas há muita informação que não é real, então é um muito perigoso”.

Desde 2019, está em tramitação o Projeto de Lei 3809/09, que determina que pessoas com vitiligo e psoríase tenham atendimento prioritário através do Sistema Único de Saúde (SUS). O projeto foi aprovado pela Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados, onde no texto da lei prevê os seguintes direitos: cuidado integral e multidisciplinar, incluindo procedimentos especializados e medicamentos de alto custo, conforme protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas; atendimento qualificado e humanizado; acesso à ações de promoção, recuperação e proteção em saúde mental; e atendimento prioritário nos serviços de referência em dermatologia.

O projeto ainda será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) e, para virar lei, o projeto ainda precisa ser aprovado pelo Senado.

Autoestima e acompanhamento psicológico

A médica Patrícia explica que, uma vez que um dos principais fatores para o desenvolvimento do vitiligo está ligado ao emocional, é importante um acompanhamento psicológico para abordar assuntos relacionados ao emocional, até para se ter um melhor tratamento e controle das manchas. “Como nós sabemos que o estresse e a ansiedade representam um papel importante no desenvolvimento das manchas, tanto no desencadeamento, quanto na piora, é sempre importante nós termos um cuidado nesse ponto de vista psicológico, sempre é importante cuidarmos do emocional”.

Além do estresse e ansiedade, eventualmente, com o avanço do vitiligo, questões de insegurança com a imagem podem surgir, sendo mais um ponto a ser abordado em terapia. “Por conta das manchas, é importante uma terapia para conseguir lidar com esse processo de transformação que ocorre na pele”.

Segundo a psicóloga Roberta Mani, pessoas com baixa autoestima passam a apresentar certos padrões, como o desenvolvimento de pensamentos autocríticos a respeito de sua própria imagem, capacidades, realizações e do seu valor pessoal, tendo como foco de maior atenção suas falhas e defeitos, minimizando e desqualificando qualquer aspecto positivo sobre si mesma. “A terapia pode ter um papel muito importante no tratamento de inseguranças, baixa autoestima, e até mesmo aceitação em casos de doenças crônicas. A terapia, a partir do entendimento de como a pessoa se vê, como ela vê a própria doença, vai identificar quais são as crenças, os padrões de interpretação e de pensamento que estão influenciando nos comportamentos e sentimentos da pessoa”. Além disso, a pressão estética presente na mídia e a representação do vitiligo na sociedade podem influenciar a maneira que os pacientes lidam com o diagnóstico e a autoestima.

Psicóloga Roberta Mani fala sobre a pressão estética e vitiligo

As pacientes Lígia e Jeicy Kelly relatam terem tido problemas de baixa autoestima, e que sair de casa e serem vítimas de julgamentos e preconceito foi um problema durante algum tempo.

Ligia Souza: “No início fiquei com muito medo, de como as pessoas iam me ver com as manchas, se teriam muito preconceito, como ficaria meu corpo, meu rosto que é mais exposto”.

Jeicy Kelly: “[...] teve uma época que tive medo de sair de casa por julgamentos. Antigamente era uma Jeicy muito medrosa, tinha medo de ser julgada, muito insegura, autoestima baixa, não tinha amor-próprio, era muito desanimada, para baixo, triste...”

Hoje em dia, cada uma delas encontrou formas de lidar com a aceitação e se sentirem bem. Jeicy Kelly conta que hoje se sente mais confiante e faz acompanhamento com psicólogo para abordar questões de estresse e ansiedade. “Não deixo que as críticas entrem na minha cabeça, não tenho medo de ser julgada ou criticada quando passo. Hoje em dia sou mais feliz que antigamente, a autoestima é maior”.

Já Ligia, atualmente, não faz nenhum tipo de tratamento clínico, além do uso do protetor solar, mas conta que encontrou formas de lidar com a insegurança através de sua fé. “Entreguei todas essas situações diante Dele e vi que se Deus me quis assim é porque eu tenho um propósito muito grande e através do vitiligo eu posso ajudar muitas pessoas”.

Em questões de autoestima, Giovanni se considera um ponto fora da curva, uma vez que não teve problemas com sua autoestima. O vitiligo foi, inclusive, porta de entrada para modelar. Sua aceitação com a condição está muito diretamente ligada à sua mãe, que também tem vitiligo. “Como minha mãe sempre lidou bem com o vitiligo dela, eu nasci e cresci vendo que o vitiligo não era um problema a ser combatido. Minha mãe é uma mulher linda, e se minha referência de beleza era uma mulher com vitiligo, isso não foi uma questão na minha vida”.

Após o diagnóstico de vitiligo, ele chegou a fazer tratamento, pois pensava que, devido à condição, poderia desenvolver câncer, mas que depois descobriu que não era uma possibilidade. “Na época eu acreditava que DEVIA tratar, hoje eu entendo que cada um trata SE quiser, quando quiser. Mas sou uma pessoa que sempre tenta orientar as pessoas que os tratamentos devem ser feitos com um especialista, pois as pessoas criam e replicam tratamentos sem nenhuma procedência e quando as pessoas estão desesperadas, elas fazem qualquer coisa que falam. Não faço tratamentos, mas não ataco quem faça, eu oriento a fazer de forma consciente, com especialista, e que tente se olhar com amor nesse processo, já que o vitiligo é incerto, e a gente não tem tempo para não se amar”. Atualmente, Giovanni utiliza suas redes sociais para divulgar seus trabalhos e também usa como ferramenta para conscientizar as pessoas sobre o vitiligo.

A psicóloga Roberta ressalta como o apoio social e familiar pode influenciar na forma em que os pacientes lidam com o diagnóstico de vitiligo e os conflitos da autoestima. “Esse apoio pode ajudar a pessoa a se sentir mais valorizada e amada, independente da sua aparência e isso vai ajudando ela a construir uma autoimagem mais positiva, muitas vezes desassociado apenas desse aspecto físico. Outros pontos das suas características são valorizados: aspectos de personalidade, talentos, hobbies, habilidades. A pessoa começa a entender e ter provas de que é possível ser visto de outra forma para além do julgamento. [...] A pessoa ter relações em que ela se sinta segura, que ela possa ser ela mesma, que ela é amada pelo que ela é. Ter essas relações reduz muito o nível de estresse. Sentimento de solidão, de isolamento, e isso vai influenciar, também, na percepção que a pessoa tem de si mesma. Então, o ciclo social que promove a aceitação da diversidade corporal, influencia a forma como a pessoa percebe a própria aparência”.

Os avanços na medicina para o tratamento do vitiligo

Por muito tempo não se havia estudos abordando o tratamento do vitiligo, no entanto, no último ano, o primeiro medicamento em bula com foco em vitiligo foi aprovado pela Agência Americana de Medicamentos (FDA – sigla no inglês), chamado Ruxolitinib. O novo medicamento em creme foi liberado nos EUA e na Europa, custando em torno de 2 mil dólares e ainda sem previsão para chegar ao Brasil.

Apesar da novidade, a médica Patrícia explica que há diversos medicamentos mais acessíveis, eficazes e comprovados cientificamente para o tratamento do vitiligo, mas que não constam na bula. Devido a isso, há muitas expectativas para o novo Ruxolitinib, por ser algo inédito na área do vitiligo. “[...] A meu ver, a eficácia não é mais significativa do que medicamentos mais simples, mais baratos e que nós já usamos há bastante tempo, com bastante segurança. Então há pesquisas em andamento em relação ao vitiligo, nunca teve tanta pesquisa sendo realizada nessa área, e a principal novidade é desse medicamento que tem uma eficácia já comprovada”.




Comments