Crianças encarceradas

Por Nathália Baron

 

Número de crianças sob custódia do sistema penitenciário estadual, conforme regiões do Brasil.

Das 120 crianças que vivem com suas mães em unidades penais, a maioria, 105, tem até seis meses; outras 14 têm entre seis meses e um ano; e uma criança está na faixa etária de um a dois anos. Esses números indicam a presença contínua de crianças em ambientes de privação de liberdade em um momento crucial do desenvolvimento e revelam a dificuldade de aplicação de políticas alternativas, como a prisão domiciliar.

Segundo o RELIPEN, de um total de 316 presídios femininos em funcionamento no país, apenas 59 possuem celas ou dormitórios específicos para gestantes, enquanto 52 oferecem berçários. A presença de creches é ainda mais reduzida: apenas seis unidades. A distribuição desigual desses espaços dificulta o atendimento às necessidades básicas de mães e filhos.

A ausência de creches e berçários adequados restringe ainda mais o tempo e a qualidade do convívio materno-infantil. Com isso, limita-se também o acesso das crianças a estímulos essenciais para o desenvolvimento, pois o convívio ocorre predominantemente em celas comuns, muitas vezes sem estrutura adequada para garantir condições mínimas de saúde e bem-estar, agravando os efeitos do encarceramento nos primeiros anos de vida.


Principais impactos do cárcere sobre a saúde e desenvolvimento na primeira infância

Marcas do cárcere no desenvolvimento infantil

O estudo “Infância no contexto prisional: reflexões sobre processos educativos e dignidade humana”, conduzido por Marilúcia Peroza em 2018, na Penitenciária Feminina do Paraná, aponta efeitos significativos do ambiente prisional no desenvolvimento de crianças que vivem com suas mães durante os primeiros meses de vida. Os principais pontos identificados foram atrasos no desenvolvimento cognitivo, dificuldades na aquisição da linguagem e fragilidade no vínculo afetivo entre mães e filhos.

O caso de Cássia, nascida na Penitenciária Estadual Feminina de Guaíba, no Rio Grande do Sul, ilustra esses efeitos. Apesar de viver em uma unidade materno-infantil estruturada, com berço próprio, brinquedos e acompanhamento pediátrico, a menina chorava constantemente e evitava interações. 

O cenário mudou quando ela completou 10 meses e saiu da penitenciária pela primeira vez para passar a semana com a família materna. Conforme descrito no livro de Nana Queiroz, quando voltou “A mãe [...] ficou boquiaberta com a filha que recebeu de volta. Agora, Cássia pede colo para as outras presas e carcereiras, aprendeu a bater palminhas e sorri de maneira gratuita e espontânea. Aquela criança tímida e rígida estava socializada.”

O ambiente prisional é caracterizado por limitações de espaço, rotinas rígidas e oferta restrita de estímulos sensoriais, condições que interferem no processo de desenvolvimento infantil. O relatório do Conselho Nacional de Justiça (2022) indicou que a separação precoce entre mãe e filho, prática comum no sistema brasileiro a partir dos seis meses de idade do bebê, pode provocar impactos psicológicos duradouros, como padrões de apego inseguro e dificuldades nas relações interpessoais.

A pesquisa “Nascer no Cárcere” reforça a dificuldade de acesso a cuidados de saúde e assistência social adequada para as crianças e suas mães. As condições físicas das unidades prisionais, muitas vezes insalubres, expõem bebês a riscos à saúde, enquanto a ausência de profissionais especializados limita a oferta de apoio emocional e educativo.

Ketelyn, a recém-nascida que Gardênia foi impedida de abraçar, é mais uma criança afetada pelas dinâmicas do cárcere. A menina passou a exigir idas constantes ao médico e, muito cedo, desenvolveu um comportamento que ninguém soube explicar: todas as noites, batia a cabeça na parede repetidas vezes, até adormecer.

Na ausência de políticas públicas que garantam condições adequadas para a convivência entre mães e filhos no sistema prisional, novas Ketelyn seguem nascendo nas penitenciárias brasileiras.


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