Sob pressão: A luta silenciosa pela saúde mental dos artistas musicais
Entre o glamour dos palcos e a solidão dos bastidores, artistas do mundo todo enfrentam desafios que comprometem sua saúde mental.
Por: Lucas Albieri
Artistas musicais de diferentes gêneros estão enfrentando uma crise de saúde mental, marcada por ansiedade, depressão e cansaço. Nos bastidores da indústria, a pressão por produtividade, a exposição nas redes sociais e a falta de suporte psicológico têm levado muitos músicos a buscar ajuda profissional ou até abandonar suas carreiras. No Brasil e no mundo, surgem iniciativas para oferecer tratamento e apoio, mas o desafio de equilibrar a vida pessoal e profissional ainda é uma batalha diária para a grande maioria dos músicos.
Imagem: Divulgação/Monica Morales
O preço do sucesso: Uma indústria que cobra mais do que talento
A indústria da música, que geralmente acaba sendo associada a fama, sucesso e uma vida “sem preocupações”, esconde uma realidade bem diferente do que a maioria enxerga nas redes sociais e televisão. Se, para o público, os artistas parecem viver uma rotina de shows, aplausos e conquistas, a realidade é que a pressão para atender às exigências do mercado tem efeitos prejudiciais na saúde mental.
Segundo um relatório da Help Musicians UK, uma organização britânica dedicada à saúde de profissionais da música, a grande maioria dos músicos já enfrentou ansiedade e depressão durante suas carreiras. Esses números crescen ainda mais quando comparados com a população geral, que enfrenta transtornos mentais em uma quantidade bem menor. Outro dado preocupante, divulgado pela Musicians’ Union, revela que grande parte dos artistas não tem acesso regular a suporte psicológico adequado, o que agrava ainda mais a vulnerabilidade desse grupo. Veja no gráfico abaixo:
Infográfico sobre a saúde mental dos artistas musicais
No Brasil, a situação não é diferente. Um levantamento realizado em 2023 pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com mais de 200 músicos profissionais revelou que 62% dos entrevistados apresentaram sintomas de burnout, que é uma síndrome de esgotamento físico e mental associada ao excesso de trabalho. O estudo também mostrou que 48% relataram dificuldade em conciliar vida pessoal e profissional, devido à intensa rotina de ensaios, viagens e shows. Nego Joca, rapper brasileiro, é um exemplo dessa realidade. O cantor revelou, em uma entrevista exclusiva para esta reportagem, os desafios que já enfrentou durante a carreira: "Eu entrei em depressão num processo diretamente ligado à minha carreira musical. A música (Me leva, Me deixa), foi escrita por mim logo após uma noite que eu tive pensamentos suicidas, ou seja, primeira vez na vida que eu pensei em suicídio.”
Imagem: Rede social
A música, que muitos pensam ser apenas uma expressão artística, para o rapper foi um grito de socorro. "Sempre achei que a música era minha terapia, mas chegou um momento em que só ela não bastava. Foi quando percebi que precisava de ajuda profissional. A terapia é fundamental, e entender isso me salvou."
Falta de suporte: O abismo entre a indústria e a saúde
A indústria da música é marcada por seus altos padrões de produtividade, lucros milionários e uma rotina exaustiva, raramente oferece o suporte adequeado aos artistas. Esse cenário acaba criando uma distância entre necessidades emocionais dos músicos e o suporte oferecido pelas gravadoras, empresários e plataformas de streaming. Muitos artistas já se pronunciaram sobre a falta de apoio psicológico dentro da indústria. A cantora britânica Jessie J revelou que passou anos sem acessar terapia devido à ausência de apoio financeiro durante o início de sua carreira. Uma das principais dificuldades ao acesso a suporte psicológico é o custo. Enquanto músicos independentes lutam para pagar consultas que podem variar entre R$150 e R$500 no Brasil, artistas de médio e grande porte também enfrentam dificuldades, principalmente quando combinam com outras preocupações na carreira, como marketing, produção e turnês.
Imagem: Fred Lyon - Studio MCI
A pandemia de COVID-19 agravou esse cenário, pois a ausência de shows e eventos presenciais eliminou a principal fonte de renda para muitos músicos. Além de toda a dificuldade financeira e a falta de apoio de produtoras, outro desafio que mantém os artistas ainda mais pressionados é a cultura que existe ao redor do mundo, relacionando terapias e cuidados psicológicos como uma ”fraqueza, isso acaba impedindo ainda mais as dicussões sobre o tema.
Inteligência artificial e saúde mental na música: Um desafio pós-pandemia
A pandemia de COVID-19 não apenas acelerou o avanço da tecnologia, como também alterou a forma como a música é produzida, consumida e vivida. Trazendo para o contexto da saúde mental dos artistas, a Inteligência Artificial (IA) surgiu como um tema de grande relevância, gerando efeito tanto no processo criativo quanto no emocional dos profissionais.
Inteligência Artificial - Geração Alpha - (crédito: Divulgação)
Com a digitalização acelerada durante a pandemia, artistas se viram obrigados a migrar para plataformas online, utilizando IA e outras tecnologias para criar música, engajar fãs e manter suas carreiras vivas em um cenário de isolamento social. No entanto, essa transição trouxe novos desafios para a saúde mental dos músicos. A dependência da tecnologia aumentou o sentimento de “impotência” e intensificou o desgaste psicológico, já que muitos artistas passaram a competir em um ambiente digital cansativo e de alto desempenho.
Iniciativas de apoio no Brasil
Apesar dos desafios, algumas iniciativas criadas aqui no Brasil buscam mudar um pouco esse cenário. Entre elas estão: Backstageminds: Criado em 2021, o projeto oferece apoio psicológico especializado para profissionais da música eletrônica. O projeto foi fundado por Lara Martinez, psicóloga especializada, que percebeu a falta de suporte psicológico nesse meio. O Backstageminds realiza atendimento em turnês e eventos, além de promover workshops para clubes noturnos, sempre com um foco na redução de danos e na prevenção de crises emocionais, como as decorrentes de uso excessivo de drogas.
Música para todos: O Projeto é uma importante iniciativa voltada para o acesso à música e ao ensino musical, mas também tem se mostrado uma rede de apoio à saúde mental dos músicos. Embora o projeto seja focado na inclusão social e na educação musical de pessoas em situações vulneráveis, ele reconhece a música como uma forma de expressão emocional e como um meio terapêutico para promover o bem estar.
Imagem: Rede Social
Pesquisas indicam que a música pode ser um recurso eficaz no tratamento de questões psicológicas, como depressão, ansiedade e estresse. Dentro do projeto, a música não só abre portas para a educação, mas também pode funcionar como uma forma de tratamento ou suporte emocional para os artistas.
A caminho de uma solução sustentável: A importância do autoconhecimento e do tratamento
Enquanto muitas iniciativas tentam criar redes de apoio para a saúde mental dos
artistas, como programas de acompanhamento e espaços de acolhimento, especialistas alertam para a limitação desses modelos no tratamento do sofrimento psicológico no ambiente artístico. Fernando Falvo, musicoterapeuta e psicanalista, enfatiza que o caminho para a saúde mental dos músicos passa por um trabalho mais profundo e personalizado, que vai além das soluções institucionais.
Imagem: Rede Social - Fernando Falvo
De acordo com Falvo, o verdadeiro cuidado com a saúde mental de um artista envolve um processo interno de análise e autoconhecimento. Ele acredita que, para lidar com o sofrimento psicológico, é essencial que o artista entre em contato com seus próprios sentimentos, superando os discursos já incorporados e as pressões externas. Este processo não só proporciona uma compreensão mais profunda do indivíduo como também abre espaço para o surgimento de novas formas de lidar com os sintomas do sofrimento, como o uso de terapias alternativas, como a musicoterapia.
Por fim, a jornada para uma indústria musical mais saudável depende da criação de espaços que acolham o artista como ser humano, valorizando não apenas sua arte, mas também seu emocional. Sendo assim, é essencial que todos os envolvidos, entre eles: artistas, produtores, gravadoras, plataformas digitais e público, reconheçam a importância de cuidar do mental daqueles que nos proporcionam uma boa música. Afinal, uma indústria que cobra talento, não pode continuar ignorando o preço pago pelos artistas para atingirem o sucesso.
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