Verde para quem? Os desafios na distribuição de parques públicos na cidade de São Paulo

Por: Mirela Almeida | Quinta Notícia

População mais afastada dos grandes centros sofre com a ausência de espaços verdes

Parque Ibirapuera, em meio à cidade, uma das principais áreas verdes da capital / Foto: Reprodução

Atualmente, a cidade de São Paulo conta com mais de 100 parques municipais (incluindo parques urbanos, lineares e naturais). Diante dos desafios que a cidade enfrenta com poluição, extremo calor e crescimento desenfreado, a distribuição de áreas verdes e de lazer tornam-se fundamentais para o bem-estar e a qualidade de vida da população.

Segundo dados do GeoSampa, mapa digital que fornece informações de zoneamento da cidade de São Paulo, o maior índice de cobertura vegetal da cidade está concentrado nos extremos sul e norte, áreas onde estão localizadas as serras da Cantareira (distritos de Tremembé e Perus) e do Mar (distritos de Marsilac e Parelheiros), ambas protegidas por parques estaduais.

No entanto, apesar de a ampla cobertura vegetal no extremo dessas regiões, ainda é notável a carência de espaços verdes, com infraestrutura adequada para o uso, dentro dos bairros onde estão concentradas a maior parte da população desses distritos. Além disso, ainda que determinada região conte com um parque urbano de grande estrutura, como no caso do Parque Ibirapuera na zona sul, ou o Parque Villa-Lobos, na zona oeste, ainda são distantes de uma população que vive mais afastada dos grandes centros, inviabilizando o acesso das massas, revelando uma desigualdade socioambiental.

Cobertura vegetal no município de São Paulo. Imagem: GeoSampa/ Prefeitura de São Paulo

Parques Existentes X Propostos

Segundo dados obtidos na prefeitura de São Paulo, 115 parques (54 parques lineares e 61 parques urbanos) estão em planejamento para serem implantados por toda a cidade.

Algumas subprefeituras terão um aumento na criação de novos parques, como:

  • Butantã: de 8 parques existentes (1 linear, 7 urbanos) para mais 19 propostos (12 lineares, 7 urbanos).
  • São Mateus: de 5 parques urbanos para mais 8 propostos (7 lineares e 1 urbano).
  • Itaim Paulista: de 7 parques (2 lineares, 5 urbanos) para mais 6 propostos (5 lineares, 1 urbano).

Esses dados indicam um esforço para redistribuir áreas verdes, quase duplicando a quantidade de parques existentes atualmente, especialmente em regiões mais carentes de infraestrutura de lazer. No entanto, não existem previsões dos projetos saírem do papel.

PARQUES EXISTENTES NA CIDADE DE SÃO PAULO

Lista de parques existentes na cidade de São Paulo - Infográfico: Mirela Almeida / Dados: Prefeitura de São Paulo

PARQUES PROPOSTOS PARA A CIDADE DE SÃO PAULO

Lista de parques propostos para a cidade de São Paulo - Infográfico: Mirela Almeida / Dados: Prefeitura de São Paulo

Mas afinal, o que define uma implementação de parques urbanos e lineares pela cidade? Segundo o professor de arquitetura e urbanismo da FAU-USP, Eugenio Fernandes Queiroga, para o planejamento de parques na cidade de São Paulo, alguns critérios são levados em conta: o preço de aquisição do lote; pré-existência de vegetação significativa, a presença de rios e córregos, para a criação de parques lineares e a diminuição da ocupação das Áreas de Preservação Permanente (APPs) fluviais, que são zonas ao redor de rios, córregos e outros cursos d'água que, segundo o Código Florestal Brasileiro (Lei n.º 12.651/2012), são protegidas para assegurar a conservação da natureza e dos recursos hídricos. Outro critério que vem sendo utilizado cada vez mais é criar parques em áreas de risco de inundação.

Ainda segundo o professor, atualmente, a escolha dos locais para a instalação de parques é uma questão de oportunidade e da pré-existência de espaços livres, mas que em um passado recente era evidente o favorecimento de instalações de parques em bairros considerados ricos. “Ainda se nota que a maioria dos parques mais bem equipados se encontram nas áreas ricas da cidade, enquanto nas áreas mais pobres é comum que os parques sejam bem mais simples. Deveria ser o contrário”.

No extremo sul da cidade de São Paulo, o bairro do Capão Redondo conta com o Parque Santo Dias, parque urbano inaugurado na década de 1990. Diante de uma região que é rodeada, em grande parte, por construções de concreto e com um baixo índice de arborização, o parque torna-se um refúgio para aqueles que procuram uma alternativa de lazer voltada à natureza.

Parque Santos Dias, na zona sul de São Paulo / Foto: Reprodução 

Ainda que uma alternativa, a vegetação não esconde os problemas de estrutura e segurança que o parque enfrenta. Para a moradora Marilane Lima, que reside no Capão Redondo há 42 anos, um dos principais pontos que influenciam a não ida até o parque é a segurança. “Em um determinado horário, as pessoas não têm coragem de visitar o parque. A administração do parque tem lutado com a prefeitura para resolver a questão de segurança. Na parte da tarde, para fazer trilha, se não tiver muita gente, ficamos inseguros, porque tem uma parte que é totalmente deserta.” Apesar de o parque ser de fácil acesso, Marilane aponta que o local não parece ser conhecido pela população. “Ele não é muito conhecido, as pessoas lembram do nome, mas não sabem localizar a região. Apesar de ser acessível às vans, fácil acesso aos carros e é possível até ir caminhando de diversas regiões”.

O parque ainda oferece poucas opções de lazer e serviços. Com poucos equipamentos para exercícios físicos, nenhum tipo de opção para alimentação e os poucos brinquedos instalados, estão quebrados. “A gente percebe muitos brinquedos quebrados, mas identificamos que é por mau uso”.

“O parque é superimportante para a região em geral, não só para os moradores aqui da região, mas para a zona sul. Ele preserva uma parte da Mata Atlântica, ele garante um ar melhor, uma preservação da flora, tem uma nascente no parque, sem contar que é um espaço de encontro, de lazer e cultura. No entanto, a manutenção é um pouco frágil e demorada”. Conta a moradora.

Segundo relatos de outros moradores, a presença de obras, que parecem ser intermináveis, ocupam diversas áreas do parque, limitando o uso do espaço. “A passagem dos pedestres tem de ser com muita atenção por conta dos pedregulhos e sulcos de profundidade razoável em alguns pontos. Há obras em andamento, mas sem qualquer indicação de previsão para terminarem”.

Em julho de 2024, a prefeitura anunciou que parte do Parque Santo Dias seria interditado para obras de requalificação, incluindo a construção de uma pista de skate, muito solicitada pelos moradores. A previsão do término das obras, a princípio, foi estimada em 8 meses, com término em março de 2025, porém, as obras seguem em andamento sem uma nova data prevista para a conclusão.

A carência de parques e de uma estrutura adequada para o uso nas periferias faz com que jovens procurem outras formas de encontro e lazer, nem sempre muito saudáveis. Já a população idosa acaba ficando mais dentro de casa e levando uma vida menos saudável. “Os idosos acabam levando uma vida menos saudável pela ausência de áreas verdes acessíveis, enquanto os jovens procuram outras alternativas, por vezes, causando inconveniência para a vizinhança, como os "pancadões", por exemplo”. Aponta o professor Eugenio.

Os parques urbanos são fundamentais como espaços de lazer e para o convívio entre as pessoas, principalmente nos dias atuais, onde o mundo digital acaba criando bolhas de identidade e o convívio se dá apenas com aqueles que pensam em comum. Além do convívio, os parques são fundamentais para questões voltadas à saúde mental, onde o relacionamento com elementos da natureza, mesmo que muito transformados pela ação humanada, contribuem para o desestresse, assim como atividades ao ar livre, como caminhadas, ou exercícios em equipamentos adequados, contribuem para a saúde física, evitando o sedentarismo. “Todos os fatores contribuem para a qualidade de vida urbana”.

A solução para uma melhor estrutura desses parques, no entanto, está longe de ser as grandes privatizações que aconteceram com os maiores parques da cidade, que frequentemente promovem eventos e shows pagos, ou a venda de produtos com preço exorbitantes, afastando a população mais pobre desses espaços. “A concessão acaba diminuindo o convívio entre diferentes classes sociais dentro de um parque. No caso do Ibirapuera, por exemplo, os restaurantes são caros e inacessíveis para a maior parte da população. A fiscalização impede a maioria do comércio ambulante, que era bastante utilizado pelos frequentadores do parque. Com isso, os mais pobres têm menos alternativas e acabam permanecendo menos nos parques privatizados. A concessão privada visa o lucro, cerca áreas dos parques, fragmentando os espaços e criando zonas de exclusão. No Vila Lobos, por exemplo, há área paga para pique-niques com toda a infraestrutura, fora dali a infraestrutura é muito mal mantida”.


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